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Esse blog é destinado a promover o debate de temas culturais e sociais, além de divulgar as ações realizadas por jovens moradores da comunidade São Remo, no bairro do Butantã (SP).

terça-feira, fevereiro 21, 2006

O GRIOT NA MÍDIA: Nota publicada no caderno Fovest, do jornal Folha de S. Paulo de 21/02/06


PROGRAME-SE

Curso comunitário
O cursinho pré-vestibular Griot -20 de Novembro está com inscrições abertas. As inscrições podem ser feitas no Instituto Criança Cidadã, na esquina das ruas Baltazar Rabelo e Aquianés, na comunidade São Remo (Butantã, na zona oeste de SP), a partir das 18h. O valor da matrícula é de R$ 5, e a mensalidade custa R$ 15. Ainda há 30 vagas, e as aulas começam no dia 6 de março. Informações: 0/xx/11/xxxxxxxxxxxxx ou 0/xx/11/xxxxxxxxxxxx.

domingo, fevereiro 12, 2006

EMPREGO: SETOR PÚBLICO CONTRATARÁ 60 MIL EM 2006

Especialistas afirmam que boa parte dos concursos ficará concentrada no primeiro semestre deste ano


Raquel Bocato (*)

Este é o semestre dos concursos: um grande número de seleções estará concentrado de janeiro a junho, afirmam especialistas. A explicação é simples: em ano eleitoral, as instituições públicas das esferas estadual e federal não podem fazer nomeações de novos funcionários nos três meses anteriores ou posteriores ao dia de votação. Ou seja, a partir de 1º de julho, os órgãos que não tiverem seus concursos homologados não poderão contratar profissionais até o começo do ano que vem. Só fogem à regra as instituições da alçada municipal, pois o pleito para prefeitos e vereadores acontecerá apenas em 2008. Nessa corrida contra o tempo, o governo federal já deu a largada e anunciou a contratação de cerca de 20 mil pessoas em 2006. A previsão é que sejam criadas, ao longo do ano, cerca de 60 mil vagas, incluindo as instituições federais, estaduais e municipais, segundo coordenadores de cursos preparatórios para concursos.

"No ano passado, fizemos 80 concursos. Só neste ano, já temos 40 em andamento", compara o diretor-geral do Cespe/UnB (Centro de Seleção e Promoção de Eventos), Mauro Rabelo. A entidade é responsável pela seleção de profissionais que trabalharão, por exemplo, na Embrapa e no Ministério do Desenvolvimento. Não é apenas o número de vagas que aumenta -cresce também a concorrência. "Fizemos uma seleção para a Câmara Legislativa do Distrito Federal em que houve mais de 2.000 candidatos por vaga", diz Rabelo.

A dentista Andrea Thais da Costa, 28, passou por um pente-fino. Após prestar um exame com 18 mil candidatos, conseguiu um posto no governo paulista. Para destacar-se na seleção, no entanto, adotou rotina espartana de trabalho e estudos. "Valeu a pena, pois queria uma carreira que me desse bom salário e me proporcionasse estabilidade", diz.

Profissão: estudante
Pelos cálculos de José Luis Romero Baubeta, da Central de Concursos, candidatos a uma vaga que exige ensino superior completo devem se planejar para conquistar o cargo a médio prazo. "É preciso estudar quatro horas diárias durante um período de um ano e meio a dois anos." Para cargos de nível médio, a sugestão é que o profissional empenhe-se de seis meses a um ano. No entanto, Baubeta não aconselha o candidato a largar o emprego nesse período. "É muita pressão psicológica", opina.

Mesmo mantendo trabalho e estudos em paralelo, o delegado da Polícia Federal Anderson Souza Daura, 36, passou em 9 concursos dos 20 que prestou desde 1985.
O segredo, segundo ele, é "disciplina e constância" nos estudos. "Cursinhos [para concursos] não fazem milagre. É preciso muito empenho", afirma, acrescentando que ficava de cinco a dez horas diárias debruçado sobre os livros.

Aprovação em concurso não é garantia para ser contratado



Não basta passar nas provas. Milhares de aprovados para trabalhar na Prefeitura de São Paulo e muitos dos classificados em um dos concursos para atuar em Furnas sabem disso. Depois de pagarem taxa de inscrição, fazerem as provas e terem seus nomes publicados na lista de aprovados, esses candidatos não foram chamados para ocupar os cargos para o qual concorreram. O motivo: a seleção tem validade. Passado o prazo -que, em geral, é de dois anos-, a instituição pode tanto prorrogá-lo por outro período como desconsiderá-lo.

"Não é proibido por lei realizar um concurso e deixar de contratar os profissionais aprovados", diz Odete Medauar, professora de direito administrativo da USP. Segundo a advogada, o único compromisso da instituição é chamar os aprovados seguindo à risca a lista de classificação. "Nem satisfação ela é obrigada a dar." O biólogo Aloysio da Silva Ferrão Filho, 43, foi um dos que participaram de uma seleção em vão. "Passei em primeiro lugar. Fiz todo o processo de pré-admissão." Mas foi barrado, segundo o biólogo, pela falta de experiência profissional de três anos na área. "Já havia até avisado a universidade em que trabalhava que teria de reduzir a carga de trabalho", lembra. Como resultado, não foi contratado pela firma e ainda foi demitido. "Disseram que não podiam manter um professor com carga horária menor", lamenta.

PARA SABER MAIS SOBRE CONCURSOS:
http://www.nce.ufrj.br/concursos
http://www.cespe.unb.br
http://cesgranrio.org.br
http://concursosfcc.com.br


(*)Repórter do jornal Folha de S. Paulo. Matéria publicada em 12/02/2006

EDUCAÇÃO: NÃO EXISTE ALMOÇO GRÁTIS

Ensino gratuito onera quem não estuda e tradição corporativista sobrecarrega sistema e inibe produção acadêmica


Gláucio Ary Dillon Soares(*)

Fui convidado para comentar a crise universitária brasileira, particularmente três episódios recentes (crise na PUC-SP; demissão na Fundação Getúlio Vargas-SP e greve das universidades federais), a partir da minha experiência em universidades americanas. Porém seria metodologicamente errado pinçar as universidades brasileiras e norte-americanas e compará-las fora de contexto. Elas são contexto-dependentes. Os EUA são um país muito diferente do Brasil (e dos demais países industriais também). O sociólogo Seymour Lipset, em "American Excepcionalism" [Excepcionalismo Americano, ed. Norton, EUA], argumentou, com fartos dados, que os EUA são minimalistas no que concerne o Estado e o setor público em geral. Qualquer gasto público encontra logo a pergunta: "Quem paga por isso?".

Nos EUA, os gastos públicos sociais representavam apenas 15% do PNB [Produto Nacional Bruto], em contraste com a Europa Ocidental, que investia 24%; já a participação do setor privado nos gastos sociais era 41% nos EUA, ao passo que na União Européia variava de 17% no Reino Unido a 1,5% na Espanha. Na península Ibérica, como na América Latina, é baixíssima a participação do setor privado nos gastos sociais.

Estado místico
Pouquíssimos americanos acham que a educação superior seja uma obrigação do Estado. A afirmação de que "a universidade tem que ser pública, gratuita e de qualidade" é absurda no contexto americano, onde predominam os modelos que somam zero: se um gasto é criado, alguém tem que pagar por ele. O setor público não tira dinheiro do ar. Não há "free lunch". Nada é de graça, nada pode ser de graça. O dinheiro sai de algum lugar, em geral do bolso do contribuinte. Os brasileiros têm uma visão mística do Estado, ao passo que os americanos o desmistificaram. Se o Estado gastar mais, os americanos gastarão menos. Os estudantes americanos pagam caro pela educação: uma das universidades públicas estaduais mais baratas dos Estados Unidos é a de Arizona, cujas taxas e matrícula custam perto de R$ 10 mil por ano. Já um aluno de graduação em Harvard gastará, em 2005-6, US$ 38 mil [R$ 88 mil] em nove meses, incluindo casa e comida.

Como pagam a conta? Muitos trabalham desde cedo e economizam, juntamente com os pais. É o principal projeto dos pais e dos filhos. Requer sacrifício. As bolsas são raras, mas os empréstimos a estudantes são freqüentes. A lógica do sistema ensina que a renda futura dos estudantes aumentará dramaticamente em razão de seus estudos. Terão condições de pagar. Dessa maneira, o estudo de alguns não onera outros. Não obstante parte do problema financeiro da PUC-SP se deve à inadimplência dos estudantes já formados que não pagaram seus empréstimos.

O contraste com o Brasil, onde os pobres pagam pela educação dos ricos e da classe média, é doloroso. Os EUA gastam mais com a educação superior (7% do PNB)do que a União Européia, que gasta entre 5% e 6%. Outra contabilidade, mais restrita, feita pelo Sutton Trust, nos proporciona números diferentes relativos a 2003: 2,7%, em contraste com 1,3% da UE, com o Reino Unido gastando apenas 1%. A origem desses gastos, porém, é diferente: nos EUA, quem estuda paga; na União Européia, como no Brasil, outros pagam pelos que estudam.

O modelo universitário americano funciona? Lá, funciona: é menos elitista do que o europeu - perto de dois terços dos jovens americanos entre 20 e 24 anos estão nas universidades e "colleges", aproximadamente o dobro da percentagem dos principais países europeus, que andam perto de um terço. O patrimônio das universidades americanas é muito maior: Oxford e Cambridge parecem pequenas em comparação com as maiores universidades de hoje, sua posição sendo a de 15ª - nenhuma outra universidade britânica estaria entre as 150 maiores do mundo.

Desproporção
A qualidade, expressa em pesquisas, prêmios e reconhecimento público, é muito maior nas universidades americanas. Até 2003, o país recebeu mais prêmios Nobel em ciência do que os cinco principais países europeus somados (Alemanha, Reino Unido, França, Holanda e Rússia), mas essa é uma história incompleta. O grosso dos prêmios da Alemanha e, sobretudo, da França e do Reino Unido, foi obtido no passado distante. Oxford e Cambridge chegaram a dominar o cenário institucional, mas o declínio da Inglaterra foi acentuado. A Alemanha apresentou a maior produção científica entre os países até 1920-29: os alemães receberam 30% dos prêmios Nobel antes da Segunda Guerra, mas menos de 10% desde 1940.

Os EUA, nas duas primeiras décadas do século 20, receberam apenas três e quatro prêmios, respectivamente. Sete décadas mais tarde o número aumentou para 65! Se usarmos patentes, citações, publicações em revistas com prestígio, impacto das revistas e outros indicadores de excelência, a preponderância americana é muito grande, e a preponderância das universidades americanas é acachapante. Mais da metade das citações científicas são feitas a pesquisadores em instituições americanas, o Reino Unido vindo em segundo, distante, com 9%.

Há diferenças entre o comportamento dos professores nos EUA e no Brasil. Minha experiência diz que os professores lá trabalham, na média, muito mais do que nas federais daqui. Mesmo nas melhores universidades, a praxe é dar dois cursos, um na graduação e outro na pós; todos ou quase todos pesquisam e publicam. São avaliados pela produção, pelo ensino, pela obtenção de recursos e pelo serviço que prestam à profissão e à universidade, que inclui participação em comitês, associações profissionais etc.

Os poucos que não pesquisam e não publicam não são bem vistos pelos colegas, mas compensam dando mais cursos, fazendo mais trabalho burocrático, orientando mais alunos. Nos "colleges" de dois anos e em alguns dos de quatro anos, a carga docente é muito maior. O que diferencia as universidades públicas brasileiras das americanas é a distribuição do trabalho e da produção. Temos professores e pesquisadores excepcionais, mas o baixo clero, no Brasil, é maioria e pesa muito. O etos não é acadêmico e científico, mas burocrático-sindical e, freqüentemente, político-ideológico. Pressões para pesquisar e dar aulas, em algumas instituições, causam escárnio e acusações de fordismo e meritocratismo.

Greves de professores e funcionários de universidades são difíceis de entender nos EUA e as de alunos são impensáveis: afinal, eles são os que mais perdem. Há algum tempo, realizei uma pesquisa para a Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior] na Inglaterra, quando um bolsista achou que eu era um funcionário da casa e ameaçou abandonar os estudos caso o valor das bolsas não fosse reajustado. Estava fazendo um favor à Capes. Ameaça interessante...

A irresponsabilidade de professores, funcionários e alunos de federais e estaduais só pode ser entendida a partir de uma forte tradição corporativista, junto com o que o antropólogo Roberto Da Matta chama da "ética do privilégio". A elite e a classe média acham normal não pagar nada nas universidades, nem o estacionamento de seus carros, mas acham absurdo que as empregadas domésticas tenham direitos trabalhistas. A ética do privilégio não é questionada.

As caça-níqueis
Vinculo a crise financeira de várias instituições universitárias ao crescimento das faculdades caça-níqueis. Algumas dessas instituições são vergonhosas, de baixíssimo nível, mas "roubam" alunos de instituições mais sérias, como as PUCs. A entrada é muito mais fácil, e o custo é consideravelmente menor. As instituições públicas também retiram alunos pagantes das fundações e instituições privadas sem objetivo de lucro, que ficaram espremidas entre elas e as caça-níqueis.

Porém algumas esqueceram que são privadas e que não contam com recursos públicos regulares e se comportam como se fossem públicas. A cobrança, tanto dos alunos devedores quanto dos professores improdutivos, não é muito maior do que nas instituições públicas. Estão protegidos pela ética do privilégio. No Brasil, algumas instituições pequenas apresentam uma produtividade muito maior do que as universidades públicas: na década de 80, fiz uma comparação entre a produção científica do Iuperj [Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro] - então com 22 professores - e as demais instituições das ciências sociais no Rio de Janeiro.

A produção era maior do que a da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Universidade Federal Fluminense e PUC (RJ) consideradas em conjunto. Como em alguns departamentos os professores não fazem pesquisas nem sabem como, a demanda por pesquisas mudou para fundações e instituições privadas, muitas das quais são ONGs. Essa mudança foi ajudada pela burocracia impenetrável e pela instabilidade das universidades.

Aulas e pesquisas
É difícil imaginar a demissão do professor Marcelo Neves acontecendo numa universidade norte-americana. Negar ao professor licença para participar da Anpocs dificilmente aconteceria. As universidades de qualidade estimulam seus professores a irem a congressos relevantes e apresentarem trabalhos. Em geral, vários professores e alguns alunos participam dos principais congressos e todos tomam as medidas necessárias para não prejudicar as aulas. Em contraste, nas instituições dedicadas ao ensino, como os "colleges" menores, a participação em congressos e seminários é muito pequena, mas não é desestimulada. Porém a participação, como observador, de eleições em outro país durante três semanas -se for essa a duração- excede os parâmetros que conheço.

Muitos colegas participaram, como observadores, das difíceis eleições na América Central, após guerras civis. Vi e participei de eventos semelhantes, mas de duração muito menor, além do que os participantes tinham muito tempo de casa. Ou seja, a participação em eventos é corriqueira, dependendo do caráter da instituição, da duração da licença e da antigüidade do docente.

A existência de uma lista internacional de protesto contra a demissão também seria inusitada em instituições americanas, exceto em questões relacionadas a perseguições políticas. As demissões são vistas como uma questão interna das instituições. As demissões de professores, raras no Brasil e raríssimas nas federais e estaduais brasileiras, são freqüentes nos EUA, onde os professores iniciantes só adquirem estabilidade após quatro a seis anos de casa. A maioria não a adquire. Não obstante decisões desse tipo são tomadas em coletivos com a participação de professores de mais graduação. Tratamos de instituições, países e culturas diferentes, sendo equivocado comparar as universidades fora de contexto. Não é tão simples.

(*)Gláucio Ary Dillon Soares é doutor em sociologia pela Universidade de Washington e professor aposentado da Universidade da Flórida (EUA). É autor de "A Democracia Interrompida" (FGV), entre outros livros. Texto publicado no Caderno Mais, de 22/01/06.

MIGRANTE GANHA MAIS QUE LOCAL E CONTERRÂNEO

Segundo estudo de economistas da USP, da FGV e da Universidade da Pensilvânia, renda é 8,5% e 15% maior


Maeli Prado (*)

Pela primeira vez, o senso comum que diz que o migrante é um vencedor, ao ter êxito apesar das adversidades próprias de ganhar a vida longe da terra natal, encontra respaldo acadêmico no Brasil. Um estudo publicado na última revista do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), órgão do Ministério do Planejamento, mostra que quem migra ganha, em média, 8,54% mais do que o não-migrante que mora no seu Estado de destino (do migrante). Na comparação com o seu conterrâneo que permaneceu no Estado de origem, o migrante ganha 15,07% mais, segundo os dados da pesquisa "Migração, seleção e diferenças regionais de renda no Brasil", dos economistas Enestor da Rosa dos Santos Júnior, da Universidade da Pensilvânia, Naércio Menezes Filho, da USP (Universidade de São Paulo) e Pedro Cavalcanti Ferreira, da FGV (Fundação Getúlio Vargas). Para conseguir fazer a relação entre as rendas do migrante e do chamado não-migrante, os economistas, que usaram dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE, calcularam os pesos que vários fatores (como escolaridade, gênero, raça, faixa etária e situação trabalhista) podem ter para influenciar uma renda maior ou menor dos trabalhadores.

A partir desses cálculos, o peso de cada um desses fatores foi excluído na hora de comparar a renda dos dois grupos, de forma que a única diferença levada em consideração fosse o fato de que um dos grupos migrou e o outro não. De acordo com as conclusões dos pesquisadores, a explicação mais forte para a diferença salarial que aparece nos dados a favor do migrante é que este faz parte de um grupo positivamente selecionado. Ou seja, quem migra é, na média, mais apto, motivado, empreendedor ou ambicioso. "Há um risco muito grande na migração, porque o destino é um ambiente mais hostil do que sua casa. O fato de que nesse ambiente o migrante já estaria saindo um pouco em desvantagem, e mesmo assim na média ganha mais, é um forte indicativo de que ele, de alguma forma, é mais habilidoso, tem mais força de vontade", diz Ferreira, da FGV. "Essa seria uma característica que o leva a migrar", completa o economista. "O interessante é que, além de ganhar mais do que o não-migrante do seu Estado de origem, o migrante também ganha mais que o não-migrante do seu Estado de destino", afirma Menezes Filho, da USP. Significa dizer, apenas como exemplo, que o baiano que veio para São Paulo ganha 15,07% mais, na média, do que o baiano que ficou na Bahia. E ganha 8,54% mais também que o paulista que permanece em São Paulo.

Escolaridade menor
Outro ponto citado no estudo para reforçar a tese de que os migrantes são "positivamente selecionados" é que eles, na média, possuem escolaridade menor do que os que não migraram. Nesse caso, os economistas usaram dados gerais, são "filtrados", que apontam que cerca de 56% dos migrantes ganham mais do que R$ 8 por hora. O percentual dos não-migrantes cuja renda é maior do que essa é menor, de 49,4%. Ao mesmo tempo, números também não "filtrados" mostram que 57% dos migrantes estudaram menos do que oito anos, contra 53,7% no caso dos não-migrantes. "É uma aparente contradição, pois mesmo tendo menor escolaridade eles têm salários maiores, na média. Esses dados reforçam a tese da seleção positiva", afirma Cavalcanti.

Estados Unidos
O estudo dos economistas brasileiros, que dá força à tese de que o migrante é mais motivado e empreendedor do que o não-migrante, é semelhante a trabalhos realizados anteriormente por pesquisadores americanos. Estes chegaram à conclusão de que as pessoas que moram nos EUA, mas vieram de outros países, são mais aptas e ambiciosas do que os que nasceram em solo norte-americano. Uma preocupação citada no trabalho dos brasileiros, que aparece também em estudos americanos, é a influência que a migração exerce sobre a distribuição de renda no país: o fato de trabalhadores mais aptos irem para outros Estados poderia acentuar a desigualdade de salários no país.

Um estudo realizado recentemente sobre esse tema por Cézar Augusto Santos, mestrando da FGV em economia, sugere que a migração, na verdade, melhora a distribuição de renda no país. "Os dados mostram que esse efeito pode acabar sendo balanceado pela redução dos salários nas cidades que são destinos de migrantes devido à oferta maior de mão-de-obra", diz Santos. Cerca de 20% da população brasileira é migrante. Boa parte do fluxo migratório é dos que nascem nos Estados do Nordeste para os do Sudeste, principalmente Rio de Janeiro e São Paulo. O Estado com o maior percentual de migrantes é a Paraíba: mais de 40% dos paraibanos vivem em outros Estados.

Cariocas ganham mais
Segundo o estudo publicado pelos economistas, os migrantes cariocas são os que ganham mais (22,53%) em relação aos trabalhadores não-migrantes do Estado para o qual migraram. Em seguida vêm os migrantes paulistas, com 14,08% a mais. O sergipano também ganha mais em relação ao trabalhador não-migrante que reside no Estado que ele escolheu para morar: sua renda média é 9,21% maior. Nos casos dos cearenses, baianos, paraibanos e pernambucanos, esses percentuais são de, respectivamente, 8,65%, 7,33%, 8,2% e 7,8%. Os migrantes do Maranhão são os únicos que aparecem com salários menores do que o restante dos trabalhadores residentes no seu Estado de destino: ganham, em média, 4,08% menos.

Apesar do fluxo migratório ocorrer, em geral, dos Estados mais pobres para os mais ricos, um movimento mais recente é o dos gaúchos e dos paranaenses que vão para Estados como Piauí ou Rondônia, atraídos pelas novas fronteiras agrícolas.

"É OUTRO ESTILO, A GENTE VAI EM FRENTE E VENCE"

Há 62 anos, Pedro Rodrigues de Almeida, filho de um exportador de fumo arruinado pela entrada da Alemanha, onde estavam seus principais clientes, na Segunda Guerra Mundial, saía de Conceição da Feira, cidade do interior da Bahia, para trabalhar em um armazém em outra cidade baiana, Umburanas. Na época, Almeida tinha 14 anos. Seria a primeira das várias migrações de Almeida, que seguiu a carreira de consultor de lojas de confecções que queriam instalar-se no Brasil. A migração definitiva foi em 1959, quando fundou uma indústria têxtil em São José do Rio Preto, interior de São Paulo. Hoje com 76 anos, Almeida preside a Rutilan, que tem faturamento mensal de mais de R$ 400 mil. Também diretor adjunto do Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo), ele atribui o seu sucesso ao fato de ter tido coragem de deixar sua terra natal.

Lula e Mailson
"O migrante tem outro estilo de trabalho. Quando se depara com uma oportunidade ele vai em frente, e vence", afirma. São vários os casos parecidos com o de Almeida, a começar pela história de Luiz Inácio Lula da Silva, nascido na miséria no município de Garanhuns, no interior de Pernambuco, e eleito presidente da República. Lula veio para São Paulo no início dos anos 50.

Uma dessas histórias é a do paraibano Mailson da Nóbrega, 63, ex-ministro da Fazenda e atualmente sócio da consultoria Tendências. Nascido no sertão da Paraíba, na cidade de Cruz do Espírito Santo, ele foi estudar na capital, João Pessoa, aos 12 anos. "Na época havia três opções para pessoas de família humilde como eu. Entrar nas Forças Armadas, seguir o sacerdócio ou prestar concurso para o Banco do Brasil. Tentei as três, mas acabei seguindo carreira mesmo no Banco do Brasil", relata. Foi pelo banco que ele foi para o Rio de Janeiro, em 1968. Em 1970 migrou para Brasília, e só então foi fazer faculdade de economia. Depois de galgar postos dentro do Banco do Brasil, foi ministro da Fazenda de janeiro de 1988 a março de 1990, durante o governo do presidente José Sarney.

Esforço tem de ser maior
"O migrante trabalha em um meio que não é o dele, compete com gente que já está estabelecida. O esforço tem de ser maior", diz o ex-ministro. "Sofri discriminação em determinados momentos. Em um mercado tão competitivo, é preciso ter senso de sobrevivência", afirma o publicitário baiano Sérgio Amado, 57, que hoje, morando em São Paulo, preside a agência de publicidade Ogilvy. Amado começou a trabalhar aos 14 anos e fundou uma agência de publicidade ainda em Salvador, a D&E. Mas considera que sua carreira deu uma guinada maior ao vir para São Paulo, depois de ter vendido tudo o que possuía na Bahia.

"Comprei 25% de uma agência que estava com problemas financeiros sérios, a Denison. Podia ter escolhido voltar para a Bahia por causa desses problemas, mas escolhi ficar. Implementei algumas reformas e a agência passou a ser reconhecida no mercado." Amado preside a agência Ogilvy, que comprou a Denison há 13 anos. "Hoje há uma grande safra de baianos iniciando carreira nas agências de publicidade", afirma Amado. Outros casos de publicitários baianos que migraram, esses já consolidados no mercado, são Nizan Guanaes e Sérgio Gordilho, ambos da Africa.

(*)Repórter da Folha de S. Paulo. Matéria publicada na edição de 12/02/2006.

sábado, fevereiro 11, 2006

ARTIGO: LÍDER NÃO É UM CHE GUEVARA INDÍGENA

Jorge Castañeda (*)

Evo Morales,o novo presidente da Bolívia, não é o primeiro chefe de Estado de
origem indígena da América Latina. O primeiro foi Benito Juárez, líder do México
de 1858 a 1872.E a Bolívia não é a América Latina. Ela e a Guatemala são as únicas nações onde povos indígenas são a maioria da população. Não obstante, a importância da vitória eleitoral de Morales não deve ser subestimada, graças ao peso simbólico
e às possíveis implicações para o restante do hemisfério. Numa região onde a concentração do poder e da renda sempre foi ultrajante, e maior do que em qualquer outra parte do mundo, ter um presidente vindo das comunidades indígenas não é pouca coisa. A Bolívia sempre foi um país um tanto paradigmático. A revolução dos
camponeses e mineiros de estanho em 1952 foi uma das quatro revoluções latino-americanas verdadeiramente populares do século 20 (ao lado das do México, Cuba e Nicarágua). Em meados dos anos 60, trágica e equivocadamente, o país foi escolhido por Fidel Castro, Che Guevara e Régis Debray como uma plataforma de lançamento de movimentos guerrilheiros na América do Sul. E a Bolívia foi, ao lado do Chile, pioneira na introdução das “reformas estruturais”, ou seja, a versão tropical da política econômica de Reagan, em meados dos 80.

Aconselhado por Jeff Sachs, Víctor Paz Estenssoro, o idoso líder da Revolução de 1952, tentouumdosmaisradicais“ tratamentos de choque” contra a hiperinflação e depois contra a pobreza extrema, inicialmente com sucesso. Ao longo do tempo,
nenhum dos choques funcionou bem, mas ambos se tornaram símbolos para esforços análogos em outros lugares. De modo similar, as campanhas de erradicação de drogas dos EUA freqüentemente citam ou repete mal algo que, de uma certa perspectiva,
foi visto como um enorme sucesso: a substituição de cultivos e a intervenção militar
na região de Chapare, perto de Cochabamba, também a partir de meados dos anos 80. De fato, a área de plantio de coca diminuiu – mas foi simplesmente transferida para o Vale do Alto Huallaga, no Peru, deixando para trás um grande número de produtores furiosos e empobrecidos na Bolívia. Entre eles, é claro, estava Evo Morales.

Sua ascensão à presidência, com quase 55% dos votos e uma maioria no Legislativo, bem pode ter implicações fora do país, para a região e para as relações entre EUA e América Latina. Há uma tendência esquerdista na América Latina hoje, mas ela não é homogênea. Os partidos dos líderes deesquerda que vêm de uma velha tradição comunista, socialista ou castrista (à exceção do próprio Fidel)tendem a ter cruzado a fronteira da economia de mercado,da democracia representativa, do respeito aos direitos humanos e das posições geopolíticas responsáveis. Ricardo Lagos e e sua sucessora, Michelle Bachelet, no Chile, Lula no Brasil e talvez até mesmo Tabaré Vázquez no Uruguai pertencem a esse grupo. Mas aqueles cujas raízes mergulham profundamente na tradição populista latino-americana, como Hugo Chávez na Venezuela, Néstor Kirchner na Argentina, Andrés Manuel López Obrador no México e Morales na Bolívia, pertencem a outra categoria. Estão muito menos convencidos dos imperativos da globalização e da economia ortodoxa, do valor intrínseco da democracia e do respeito aos direitos humanos e gostam, mais que de qualquer outra coisa, de atormentar a Casa Branca e, particularmente, seus atuais ocupantes.

Há uma lógica neste comportamento. A “nova esquerda” que vem da “velha esquerda” não só ser e criou depois de experimentar em primeira mão os desastres do antigo bloco soviético e de Cuba. Ela tem uma agenda doméstica que volta a suas raízes: combater a pobreza, reduzir a desigualdade, melhorar a saúde, a habitação e a educação, etc. Sua agenda externa pode ocasionalmente levá-la a discordar de Washington – o Chile fez isso no Iraque, o Brasil faz no comércio –, mas sem estridência. Já a esquerda populista não tem exatamente uma agenda doméstica – o populismo raramente a tem, a não ser a de distribuir ou gastar dinheiro com fins políticos –, mas reforça suas credenciais esquerdistas à maneira antiga, graças a uma política externa anti-EUA e pró-Havana. Com toda a probabilidade,isto é o que Morales fará na Bolívia. Ele não tem muita margem de manobra em questões como o gás natural, a ajuda americana e de outras fontes estrangeiras, a dívida externa, o apoio do Banco Mundial, etc. Ir longe demais em qualquer rumo não só afastará a ajuda e os investimentos estrangeiros, como também poderá intensificar as forças centrífugas, quase separatistas, que atuam nas planícies do leste do país, mais prósperas, ao redor de Santa Cruz.

São necessários esforços enormes para combater a pobreza extrema na Bolívia – o
país mais pobre do hemisfério, ao lado do Haiti. Mas também aqui os resultados não serão espetaculares no curto prazo. Assim, Morales fará o que os populistas dessa categoria sempre fazem: atacar Washington e agradar a sua base eleitoral, isto é, os plantadores de coca de Chapare, onde ele iniciou a carreira política. Com os EUA, Morales começou de modo inequívoco. Suas primeiras viagens ao exterior foram para Havana e Caracas, e ele fará o possível para se incluir no chamado “eixo do bem” fundado por Fidel e Chávez. E, ao negar-se a continuar os programas de erradicação da coca, anunciando em vez disso que quer aumentar a área de cultivo, pois a folha de coca é um artigo de consumo tradicional nos planaltos bolivianos, Morales acerta duas contas de uma vez: escolhe uma rota de colisão “politicamente correta” com Washington e agrada a sua base mais extrema, algo que George W. Bush entende bem. Mas, no fim das contas, é improvável que Morales ressuscite Che Guevara ou se transforme num Fidel andino. Seu país faz fronteira com outros quatro, é tragicamente pobre (embora rico em reservas de gás natural), depende dramaticamente de ajuda externa e tem uma história de instabilidade como a de nenhuma outra nação da América Latina. Se os EUA se contiverem e o Brasil finalmente assumir a responsabilidade pelos assuntos hemisféricos, Morales fará notícia, mas não História. Todos, espera-se, saberão a diferença.

(*)Ex-chanceler mexicano, é autor da biografia ‘Che Guevara’ e de ‘A Utopia Desarmada’, sobre os fracassos da revolução na América Latina.