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Esse blog é destinado a promover o debate de temas culturais e sociais, além de divulgar as ações realizadas por jovens moradores da comunidade São Remo, no bairro do Butantã (SP).

domingo, outubro 30, 2005

AS DIFERENÇAS QUE NOS TORNAM IGUAIS



Aprovada por 148 países, combatida pelos Estados Unidos, Convenção da Diversidade Cultural tem longo trajeto até vingar

Jotabê Medeiros (*)

Em menos de 20 anos, o comércio mundial de bens culturais – cinema, vídeo, DVD, música, fotografia, livros, artes visuais – quadruplicou, passando de US$ 95 bilhões em 1980 para mais de US$ 380 bilhões em 1998 (estima-se que este ano atinja cerca de US$ 1,3 trilhão). Mas cerca de quatro quintos desse montante tem origem em apenas 13 países e um deles, os Estados Unidos, por exemplo, detém 85% das bilheterias de cinema do mundo todo com filmes de Hollywood (88 entre os 185 países no mundo não têm produção cinematográfica alguma). Os dados são das Nações Unidas, do Relatório sobre o Desenvolvimento Humano de 2004.

O tremendo potencial econômico das chamadas indústrias criativas e os efeitos perversos da globalização – a padronização cultural como o maior deles – foram as forças propulsoras de um grande movimento de reação no mundo todo, que culminou, na quinta-feira, 20 de outubro, com a aprovação da Convenção sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade e das Expressões Culturais.
Foi aprovada em Paris, na sessão plenária da 33ª Conferência Geral, e já é considerada por muitos como o Protocolo de Kyoto da Cultura. O documento foi aprovado por 148 dos 154 países que votaram, com oposição dos Estados Unidos e Israel e quatro abstenções (Austrália, Nicarágua, Honduras e Libéria). O Brasil foi um dos grandes articuladores do texto, cujo embrião foi forjado em São Paulo, no ano passado, no Fórum das Culturas do Anhembi. A convenção entrará em vigor depois da ratificação de pelo menos 30 países. Seu artigo 20 (são 35) dá a ela o mesmo nível jurídico que o dos tratados bilaterais e as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC).

É um documento extremamente abrangente. Inclui, por exemplo, conhecimentos tradicionais,como as velhas práticas de cura pelas plantas. As patentes de natureza biológica, por exemplo – no Brasil, segundo dados do governo, apenas apenas 0,48% das patentes relacionadas a 1.119 plantas do país foram registradas por brasileiros. Todo o resto foi apropriado por cientistas e pesquisadores estrangeiros.

O ministro Gilberto Gil, falando ao Estado no dia da votação do documento, disse que o texto aprovado garante a promoção e proteção às atividades e bens de serviço culturais. Mas a sua efetiva implementação depende de força de vontade. “Tudo depende de como os países vão querer se colocar em relação à essa cultura de grandes padrões internacionais, como é a questão do audiovisual.”

Muitos países que votaram a favor, como a França e o Canadá, já possuem políticas de proteção de sua produção cultural, em áreas como audiovisual e outras. Sua adesão, entretanto, pode ajudar outros países a criarem suas defesas. Alguns Estados acreditam que a convenção poderá ser uma proteção contra aquilo que chamam de hegemonia cultural. Hoje, há aproximadamente 6 mil línguas faladas no mundo, mas somente 4% das línguas são usadas por 96% da população mundial (50% das línguas do mundo estão em perigo de extinção e 90% dessas linguagens não estão representadas na internet).

Avessos à movimentação, os Estados Unidos pensam que, ao contrário, a nova convenção atenta contra o “direito do homem” e “esmaga as minorias”, sob o pretexto da política cultural e lingüística, no dizer da secretária de Estado americana, Condoleezza Rice. Para a secretária, trata-se de uma política “protecionista” e que é contra uma “liberalização mundial do comércio sob a égide da Organização Mundial do Comércio”.

Outra avaliação americana: a convenção “pode prejudicar, mais do que promover, a diversidade cultural”,: segundo disse na semana passada a representante americana na Unesco, Louise Oliver. Para Louise, “o instrumento permanece muito falho, aberto a interpretações equivocadas e propenso a abusos”. Ela crê que muitos países a utilizarão “para controlar, e não para facilitar, a circulação dos bens culturais”.
O principal aliado americano, no entanto, discorda. O embaixador britânico na Unesco, Timothy Craddock, falando na União Européia, declarou. “É um grande dia para a Unesco.” O ministro francês da Cultura, Renaud Donnedieu de Vabres, disse a jornalistas que, numa época de crescente fundamentalismo religioso, a convenção sublinha a importância da diversidade cultural, o orgulho nacional e também a paz. “É uma vitória da consciência nascente.”

Para o diário The Wall Street Journal, a convenção não pode ser boa coisa, já que está sendo referendada pela “China e outros países repressores”. Para o jornal, o acordo serve para justificar “facilmente o fechamento de redes por satélite ou de periódicos em nome da segurança cultural”. O ministro Gilberto Gil acredita que o boicote americano à convenção tende a arrefecer. “Esse isolamento dos Estados Unidos e essa tentativa de negar a palavra, o impulso e, digamos, a ação dos outros países com relação ao meio ambiente, aos diretos internacionais, a esta Convenção e às várias outras – como Protocolo de Kyoto e o Protocolo para o Fundo dos Mares – vai gradualmente se dissipar. Tenho a impressão que a realidade vai obrigá-los a vir pouco a pouco. Por exemplo, no caso do Protocolo de Kyoto, hoje, já há vários Estados americanos que querem aderir, de forma autônoma, ao documento”, analisou Gil.

Nos Estados Unidos, a reação à convenção até agora tem sido ou virulenta ou irônica. Na quinta-feira, o jornal The New York Times definiu o embate como “guerra fria da diplomacia cultural”, um lance do antiamericanismo reinante. “A convenção, é claro, foi adotada de qualquer maneira, mas não mostra real ameaça a Hollywood. Para quase todo mundo lá fora, das vilas do Himalaia aos assentamentos na Amazônia, é a cultura popular que vai continuar a definir o que há de certo e o que de errado na sociedade americana.”

Entretanto, o jornal indaga se não é o caso de os americanos retomarem sua diplomacia cultural – marca dos tempos da guerra fria – como uma forma de combater um sentimento de opressão mundial, adotando uma atitude menos invasiva. “A nova situação é mais multipolar”, disse ao jornal Frank Hodsoll, que coordenou o National Endowment for the Arts (órgão responsável pelo incentivo à cultura nos Estados Unidos) durante a administração Reagan e dirige o Center for Arts and Culture em Washington. “Há uma necessidade de mais esforços em muitos outros lugares onde as culturas são muito diferentes.”

Leonardo Brant, vice-presidente da International Network for Cultural Diversity, em texto para o livro Diversidade Cultural, alerta para o maniqueísmo, a xenofobia e o extremismo do discurso que põe os americanos como algozes da diversidade cultural. “A definição de um posicionamento ou uma política de proteção da
diversidade é algo muito complexo e depende de diálogo e de convicção de qual política adotar”, escreveu, atentando para a importância da convenção como fator de garantia de pluralismo. Segundo Brant, a discussão desses temas, no Brasil, é premente e seu avanço tende a colocar a cultura no eixo do projeto de desenvolvimento. Há um desequilíbrio, mas ele dificilmente pode ser enfrentado por meio de protecionismo, barreiras comerciais e cotas.

PONTO DE VISTA

Lévi-Strauss, em seu clássico Raça e História, já dizia que “de nada adiantaria defender a originalidade das culturas humanas contra elas mesmas”. O que teria de ser preservado não seriam as diferenças peculiares de cada cultura, mas sim o “afastamento diferencial” entre elas. O que deveria ser combatido é a ameaça de entropia contida na profecia de homogeneização cultural planetária. O homogêneo seria sinônimo de petrificado ou morto. O equilíbrio seria a impossibilidade de saltos evolutivos da humanidade. Estaríamos condenados, se quiséssemos nos manter vivos, a ser diferentes e conviver com a diferença. Mas é claro, também para Lévi-Strauss, que o salto evolutivo seria produto do encontro entre vários sistemas culturais diferentes – só a diferença não basta, é preciso haver troca entre elas. Hermano Vianna, antropólogo, em texto para o livro Diversidade Cultural (Ed. Escrituras, 2005)

(*) Repórter do jornal O Estado de S. Paulo. Matéria publicada na edição de 30/10/2005.

FUTEBOL E MERCADOS

Mailson da Nóbrega (*)

No caderno Aliás de domingo passado, o Estado trouxe mais uma interessante reportagem do jornalista Fred Melo Paiva, desta vez a entrevista com o músico e professor de Literatura Brasileira da USP José Miguel Wisnik, que prepara um livro sobre futebol.
A matéria me permite fazer uma comparação entre o futebol e o mercado.
Para começar, ambos são muito antigos. Segundo Wisnik, os jogos de bola medievais, “ao mesmo tempo violentos e promotores de sociabilidade”, foram reinventados pelos ingleses no fim do século 19.

O futebol foi, então, codificado “de maneira a aparar-lhe as arestas, torná-lo controlável e contabilizável, arbitrado por um sistema de regras e sublimado na sua violência. Em vez de um número incontável e desigual de jogadores, temos 11 de cada lado; em vez de campos, brejos, pântanos e aldeias, um campo retangular e à parte do mundo comum, cercado de platéia; em vez de participantes feridos e ocasionalmente mortos na refrega, esportistas protegidos por regras que regulamentam o corpo-a-corpo”.

Poder-se-ia acrescentar que o futebol começou a nascer com as instituições que o tornaram organizado e sustentável. Wisnik deixa implícito que o futebol se firmou porque, além das regras, surgiu também o juiz para impor punições aos que as violam, o que dá mais força à analogia com as instituições. Na definição de Douglass North, instituições são as regras do jogo em uma sociedade ou, mais formalmente, as restrições criadas para moldar a interação humana e, assim, estruturar incentivos para ações de natureza política, social ou econômica. As instituições formais são criadas pelos governos e as informais derivam de convenções e códigos de conduta estabelecidos pelos indivíduos, como no caso do futebol.

North assinala a analogia entre as instituições e competições esportivas. Diz que num jogo entre dois times as instituições incluem as regras escritas e as não escritas, como a de não ferir deliberadamente um jogador do outro time. O cumprimento das regras é fundamental para o êxito do jogo. Se elas forem infringidas, impõe-se a respectiva punição. Um time pode até adotar a estratégia de violá-las, mas, se a punição for severa, terá jogadores expulsos e correrá o risco de ser derrotado. O simples conhecimento das conseqüências costuma ser suficiente para evitar o mau comportamento esportivo.

O mercado é muito mais antigo do que os jogos de bola medievais.
Recentes pesquisas indicam que o mercado pode ter sido responsável pela própria existência da humanidade. A especialização e o comércio permitiram que o Homo sapiens - o homem moderno - prevalecesse sobre o Homo Neandertalensis. A dominação do sapiens teria sido obra de um sistema econômico mais eficiente. O sapiens praticava o comércio e já fazia trocas de longa distância, o que lhe permitiu obter mais carne, elevar a fertilidade e aumentar a população. Sobraram menos suprimentos para os grupos do Neandertal, o que teria gerado o seu declínio e desaparecimento.

Não é exagero, assim, a comparação aqui feita entre o futebol e o sistema de mercado. Este nasceu antes, na esteira do surgimento do Estado, por volta do século 17. O Estado busca garantir o equilíbrio entre os diversos grupos da sociedade para o que detém o monopólio legítimo do uso da coerção, vedando à população a possibilidade de resolver os conflitos com a utilização da violência, que é sua prerrogativa.

O êxito do futebol e do sistema de mercado – que é sinônimo de capitalismo – tem a ver, portanto, com a existência de regras e de mecanismos eficazes para assegurar o seu cumprimento. O capitalismo gera crescimento e bem-estar quando há garantias de preservação do direito de propriedade, de respeito aos contratos e de regulação capaz de assegurar a concorrência e evitar as falhas de mercado. O futebol maravilha o público quando as regras são cumpridas e a competição é elevada.

O futebol e o capitalismo têm a sua origem na Inglaterra. O primeiro se tornou arte no Brasil, seu incontestável campeão. Não dá para dizer o mesmo do segundo, mas o capitalismo começa a fincar raízes no País, por força do desenvolvimento institucional dos últimos anos, como tenho procurado realçar neste espaço. É justo esperar que, com reformas das instituições e com o tempo, o sistema de mercado também dê certo por estas plagas.

(*) Mailson da Nóbrega é ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria Integrada (e-mail: mnobrega@tendências.com.br). Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, edição de 30/10/05.

sábado, outubro 29, 2005

FIQUE LIGADO!

AGENDA, DICAS DE FILMES, SHOWS E TUDO MAIS QUE ROLA NA PAULICÉIA ...

NOVEMBRO:



EVENTO: CINEMA NEGRO
QUANDO: 29/10 a 08/11

Idealizado pelo antropólogo e cineasta Prof.Dr.Celso Luiz Prudente tem como patrocinadores a Secretaria para o Desenvolvimento das Artes Audiovisuais-MINC e Fundação Palmares-MINC. O projeto conta com apoio da Cinemateca Brasileira, Casa das Áfricas, Consulado Geral da França-SP, Palas Athena, Meninos do Morumbi, Prefeitura da Cidade de Assis, Zimbauê – Instituto do Negro de Assis e o site Mundo Negro. A 2ª Mostra de Cinema Negro é composta por 17 filmes numa mescla de curtas e longas metragens, nacionais e estrangeiros que trazem o negro em uma visão de afirmação positiva. O evento é gratuito e composto de workshops, debates, lançamentos de livros étnicos e exposição de artistas plásticos.

PROGRAMAÇÃO:
Data Filme Horário Local
03/11 - Quinta-feira Abouna 20h00 Casa das Áfricas
03/11 - Quinta-feira Novos Quilombos de Zumbi 20h00 Casa das Áfricas
04/11 - Sexta-feira Orfeu 20h00 Casa das Áfricas
04/11 - Sexta-feira Rio 40 graus 20h00 Meninos do Morumbi
04/11 - Sexta-feira Clipe 20h00 Meninos do Morumbi
04/11 - Sexta-feira Debate 20h00 Meninos do Morumbi
05/11 - Sábado Elisah 11h00 Casa das Áfricas
05/11 - Sábado Carolina 11h00 Casa das Áfricas
05/11 - Sábado Por que a Entréia? 11h00 Casa das Áfricas
05/11 - Sábado Debate 11h00 Casa das Áfricas
05/11 - Sábado Concerto Campestre 20h00 Inst.Zimbauê - Assis
06/11 - Domingo Quilombo 11h00 Cinemateca

Endereços
:
Instituto Palas Athena: Rua Leôncio de Carvalho, 99 - Metrô Brigadeiro -São Paulo- site: http://www.palasathena.org
Casa das Áfricas: Rua Eng. Francisco de Azevedo, 524. - Metrô Vila Madalena - São Paulo- site:http://www.casasdasafricas.org.br
Espaço Musical: Rua Cel. Lisboa, 720 - Metrô Santa Cruz - São Paulo- site: http://www.espacomusical.com
Zimbauê- Instituto do Negro de Assis: Cidade de Assis- Cinema Municipal da Cidade de Assis
Meninos do Morumbi: http://www.meninosdomorumbi.org.br


EVENTO: MULTIMÍDIA NEGRA 2005 - INCLUSÃO DIGITAL E AFROFUTURISMO

04/11 – Festa de Abertura – Casa das Caldeiras

Em sua segunda edição, o Multimídia Negra 2005 acontece de 10 a 13 de Novembro no Museu da Imagem e do Som com o tema Inclusão Digital e Afrofuturismo. A festa de abertura será na Casa das Caldeiras no dia 4 de Novembro.

O objetivo do Multimídia Negra é aglutinar e discutir o afrofuturismo através de uma linguagem pop, favorecendo uma aproximação com beneficiados da inclusão digital e com isto gerar propostas concretas sobre o que pode ser feito hoje no Brasil – os brancos têm 167% de chances a mais de ter acesso ao computador do que o negro, segundo dados divulgados pela Fundação Getúlio Vargas.

Programação 2005 – Dias 10, 11, 12 e 13 de Novembro

· Apresentação das produções culturais nas áreas de cinema, vídeo digital, música digital, web design, fotografia, design gráfico, além de moda e gastronomia.

· Workshops na área de cinema, vídeo digital, música digital e tecnologia.

· Debates sobre temas como comportamento jovem na era da informação, software livre, common creatives.

Já estão confirmadas as participações de:

· Associação Cultural Kinoforum – Oficina de Roteiros para jovens carentes. Tema: Ficção Científica. Oficina de Making-Off que durará todo o evento e resultará em um DVD de distribuição gratuita no final do evento.
· Cidade Escola Aprendiz – Workshop sob OLD_NET e vídeo animação em massinha.

· CECAES – Centro Cultural Caieiras, Vitória – ES – Apresentação do filme de animação MANGUE E TAL, desenvolvido pela oficina de Cinema e Música. A trilha sonora será apresentada ao vivo pelos jovens músicos da oficina CONGO da escola.

· Lobão, músico - Workshop sobre produção independente e Pocket Show.

· André Abujanra, músico – Workshop e Pocket Show

· Grupo Mombojó, Recife – Workshop sobre disponibilização de música na Internet e Pocket Show

· B. Negão, músico – Workshop
· Eletrocooperativa, Salvador – Workshop com jovens que tocam tambor e música eletrônica -

· Spook, DJ em Nova York – lançamento do livro Rhythm Science e Workshop sobre afrofiturismo

· Rekha, DJ - NY / Índia

· Soul Slinger, Dj - Workshop

· Ruth Slinger, Videomaker.

· Creative Commons – Palestra com Bruno Magrani, FVG – RJ.

O Multimídia Negra já aparece no calendário sócio-cultural paulistano como um evento de peso e conta com o apoio para a realização da Secretária de Cultura do Estado de São Paulo através da Assessoria de Gênero e Etnias.

domingo, outubro 23, 2005

REITOR DA “ZUMBI” CRITICA UNIVERSIDADES

Dirigente de faculdade voltada a afrodescendentes cobra mais políticas para reduzir desigualdades no país


Fábio Takahashi (*)

As universidades não estão interessadas em ajudar a diminuir as desigualdades sociais. A opinião é de José Vicente, presidente da ONG Afrobras, que busca o desenvolvimento social dos negros.
Esse pensamento levou Vicente, 45, a criar há cerca de três anos a faculdade Zumbi dos Palmares, instalada no centro de São Paulo. A intenção é oferecer ensino superior a afrodescendentes, para que eles próprios busquem mecanismos que permitam uma ascensão social de negros e de pobres.
Vicente, que tem formação superior em direito e em sociologia, é o reitor da faculdade.
Para ele, há descaso de universidades tradicionais com os negros e pobres. Ele cita, nominalmente, a USP. ""A Universidade de São Paulo deveria ter um grupo de trabalho há mais de 50 anos para trazer respostas para o problema das desigualdades sociais", afirma Vicente.
A pró-reitoria de graduação da USP se defende da acusação (leia texto nesta página).
Leia abaixo os principais trechos da entrevista concedida por Vicente à Folha.

Folha - Por que a faculdade Zumbi dos Palmares foi criada? As universidades não têm, atualmente, condições de atender às exigências dos estudantes negros?

José Vicente - Não têm condições nem interesse de melhorar a vida dos negros e afrodescendentes.

Folha - Mas seria papel das universidades tratar de apenas uma fatia da população?
Vicente - Sim. A classe intelectual, que está dentro da universidade, deveria ter uma resposta para as desigualdades sociais. Pagamos caríssimo para deixar grandes pensadores se qualificando no exterior, fazendo cursos de toda a natureza.
Pela lógica, quem deveria trazer respostas para solucionar um problema estrutural do nosso país, que é a cisão entre os negros e os não-negros? Seriam os intelectuais. Mas, por motivos muitas vezes ""inconfessais", eles não têm mostrado interesse em se debruçar nesse tema. Se eles não o fazem, cabe aos movimentos dos mais variados tentarem caminhos alternativos.
A Universidade de São Paulo deveria ter um grupo de trabalho há mais de 50 anos para trazer respostas para o problema das desigualdades sociais. Mas tudo o que se conseguiu discutir até agora, que é a política de cotas [no ensino superior], não saiu de dentro da universidade, mas sim dos movimentos sociais. Daí esses intelectuais saem da universidade e afirmam que a cota é imoral, ilegítima, racismo às avessas. Então você diz: ""Tudo bem. Mas então qual a solução que vocês trazem, já que vocês ganham para dar respostas como essa?" A resposta é: ""Não tenho". Uma universidade que consegue trabalhar com o seqüenciamento genético não tem capacidade de pensar em alguma solução para essa questão social? Isso gera uma tensão muito grande. Por enquanto, dá para segurar a ""negrada" na Cidade Tiradentes [região pobre da periferia de São Paulo], mas eles não vão ficar lá para sempre.

Folha - Um dos argumentos das universidades que não querem cotas raciais é que essa política poderia aumentar o racismo, porque todos os negros que estivessem na universidade seriam encarados como cotistas, que tiraram vagas dos outros estudantes. O que senhor pensa sobre isso?
Vicente - Essa é uma justificativa de quem está com um privilégio há mais de 500 anos e que não quer saber o que está ocorrendo lá fora [da universidade]. O cotista vai ser estigmatizado? O negro não quer nem saber, ele quer mais é entrar na USP. Seja por cotas, pelo telhado, pelo banheiro.

Folha - Quais serão os próximos passos da Zumbi dos Palmares?
Vicente - Estamos nos preparando para oferecer outros cursos [atualmente, a faculdade mantém somente o de administração].
Antes de abri-los, o que deverá ocorrer em dois anos, temos de cumprir algumas exigências da legislação.

Folha - Quais serão os cursos?
Vicente - Direito e um de comunicação, provavelmente rádio e TV. Precisamos de profissionais da área de comunicação que tenham a consciência do que queremos implantar com o nosso trabalho e divulgar isso. E também precisamos de juristas que compreendam o tema dos direitos humanos e da cidadania, mais especificamente a dos negros. O de administração foi escolhido porque precisamos despertar esse negro para o empreendedorismo. Queremos despertar no jovem negro o valor de gestão de negócio, a do seu negócio, não o do outro.

Folha - O Brasil é um país racista?
Vicente - Não há dúvidas. Dias atrás, houve comemoração porque a diferença entre salários de brancos e de negros diminuiu de 130% para 90% [ele cita um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o Ipea, divulgado no final do mês passado]. Olha o percentual em que isso ainda está. Não preciso dizer mais nada.

SAIBA MAIS SOBRE A FACULDADE ZUMBI DOS PALMARES

87% dos alunos declararam ser afrodescendentes

A faculdade Zumbi dos Palmares possui 650 alunos, sendo 87% afrodescendentes. O reitor da instituição, José Vicente, afirma que a mistura é o ponto forte da instituição, que busca capacitar profissionais que busquem diminuir as desigualdades sociais.

"Não pode ter só negro, porque ele já sabe de cor e salteado [as desigualdades]. E não pode ser só de não-negros, porque seria apenas uma exposição teórica", afirma Vicente. "Boa parte do racismo no nosso país acontece porque não há esse contato", complementa.
Segundo o reitor, a faculdade é a primeira da América Latina a ter mais de 80% de alunos negros.
A faculdade reserva 50% das vagas a candidatos que se autodeclararem afrodescendentes. Caso não haja um número suficiente de inscritos para preencher essa cota, os lugares passam para o "sistema universal" -o movimento inverso também pode ocorrer.
A mensalidade é de R$ 260. Para manter o valor menor do que o de mercado, a faculdade conta com doação de empresas e com a ajuda dos professores, que recebem menos do que ganhariam em outras instituições de ensino superior.
A Zumbi dos Palmares tem autorização do Ministério da Educação para oferecer 400 vagas. Excepcionalmente, no próximo processo seletivo serão 600, porque a instituição abriu apenas 200 no primeiro ano. As inscrições para o exame estão abertas e vão até 22 de novembro. Mais informações sobre a instituição no site www.unipalmares.org.br ou pelo telefone 0/xx/11/3313-8701.

A PALAVRA DA USP

A pró-reitora de graduação da USP, Sonia Penin, nega que a universidade não tenha preocupação com a inclusão social. Para sustentar essa posição, Penin cita o grupo de trabalho formado na pró-reitoria de graduação para estudar o tema.
Uma das conclusões do grupo foi a necessidade de aumentar a quantidade de isenções da taxa de inscrição do vestibular. O número subiu de 15 mil para 65 mil de 2002 até este ano, quando a inscrição custou R$ 105, já com o manual do candidato.
Outra medida é o programa de capacitação de professores do ensino médio público. Com relação às cotas, a USP ainda debate a medida.

(*) Repórter da Folha de S. Paulo. Matéria publicada na edição de 23/10/2005.

sábado, outubro 22, 2005

INGLÊS PARA NEGRO E CARENTES

Inscrição para novas turmas do curso de inglês do FatecAfro está sendo efetuada. A mensalidade é de apenas R$50
Domingo, 17 de Julho de 2005.

Com o grande sucesso das primeiras turmas de inglês que iniciaram em janeiro de 2005, o "Programa de Capacitação 2005" está cada vez sendo mais procurados para as aulas de inglês na FATEC . Uma das primeiras ações é o curso de inglês em parceria com a escola GLTraining, empresa com longa tradição em cursos in-company
(administrados dentro das empresas). O valor da mensalidade é de apenas R$ 50.
"O curso será dividido por 6 módulos e ao final de cada um, o aluno prestará o exame TOEIC ou TOEIC BRIDGE(o exame de proficiência em língua inglesa mais solicitado pelas empresas e reconhecido em mais de 100 países). Com esse exame é possível constatar o nível do aluno, sabendo inclusive suas qualidades e onde ele deve melhorar", explica Rodrigo.




As aulas serão dadas aos sábados na própria Fatec que fica na Av.Tiradentes,715, próximo ao metrô. As matrículas estão abertas e o curso será de duas horas por sábado em quatro horários diferentes. O aluno deverá freqüentar obrigatoriamente, pelo menos 75% das aulas oferecidas. Cada estágio tem a duração de seis meses.

Horários disponíveis:
08h às 10h
10h às 12h
12h às 14h-nível intermediário(com teste de nivelamento)
14h ás 16h

A novidade também será o curso de imersão GLTraining que serão ministrados num clube(todo em inglês) de campo a 30 minutos de São Paulo com ônibus fretado e almoço. Este curso será dado em um dia (sábado ou domingo) com 7horas de aulas e o resto do dia será liberado para diversão. O valor para este curso será de R$ 64,00 por pessoa.
As inscrições devem ser feitas pelo preenchimento de formulário no site
http://www.gltraining.com.br
Programa de Qualificação 2005 FatecAFro
Cursos de Inglês

Quando: A cada mês inicia-se uma turma nova Matricula:R$50
Mensalidade: R$ 50
Local: Sede da FATEC - Av.Tiradentes,715
Inscrições: no site http://www.gltraining.com.br é só clicar no Banner FATEC AFRO e preencher a ficha de inscrição.
Informações : (11) 5182 0813 ou (11) 5182-5735, com Fernanda ou pelo e-mail
fernanda@gltraining.com.br ou fatecafro@mundonegro.com.br


Da redação
redacao@mundonegro.com.br


TAIWAN ANUNCIA QUE VAI PRODUZIR GENÉRICO DO TAMIFLU

O governo de Taiwan afirmou neste sábado que está iniciando a produção de um genérico do remédio antigripal Tamiflu, do laboratório Roche e considerado um dos mais eficientes no combate à gripe aviária.
As autoridades afirmaram que estão negociando com a multinacional suíça, mas dizem que vão levar o projeto adiante mesmo que as partes não consigam chegar a um acordo.Um representante do governo taiwanês, porém, fez questão de salientar que o país vem demonstrando boa vontade nas negociações com a Roche.

A estimativa de Taiwan é que sejam produzidos seis quilos do genérico, que seriam suficientes para renovar os estoques. Além de Taiwan, outros países asiáticos também estão tentando conseguir a liberação da patente do Tamiflu para amortecer as conseqüências da gripe aviária.

Pandemia
O remédio não cura a gripe aviária nem é o único antiviral que pode combater a doença. No entanto, o produto da Roche é considerado o melhor no mercado para aliviar os sintomas e evitar o contágio em uma eventual epidemia da doença.
A versão taiwanesa do remédio vai ser 99% igual à produzida pela Roche, mas, segundo as autoridades sanitárias do país, terá um custo bem mais baixo e poderá ser produzida mais rapidamente.

Na sexta-feira, a Grã-Bretanha confirmou que a doença chegou ao país depois que um papagaio da América do Sul morreu durante a quarentena imposta aos animais importados.

Na Croácia, o vírus foi detectando em seis cisnes mortos, mas ainda não se sabe se eles tinham a variante mais perigosa, a H5N1, que recentemente chegou à Turquia e à Romênia. A gripe aviária já matou cerca de sessenta pessoas na Ásia.

da BBC Brasil

DE SAÍDA: Má escolha é a maior causa de evasão



Pesquisa mostra que a maioria dos estudantes que largam a faculdade erraram na hora de optar



Simone Harnik(*)

Um estudo inédito realizado na USP mapeou as causas da evasão no ensino superior. A pesquisa constatou que quase metade dos estudantes que desistem da graduação tiveram problemas no momento da escolha. Por pressões dos pais, por falta de informação sobre a faculdade ou sobre o mercado, 44,5% dos alunos acabam abandonando o que era seu sonho de realização profissional e se tornou a opção errada.
Outros 30,7% desistem por não gostarem da estrutura do curso que ingressaram. Depois, seguem os insatisfeitos com o mercado de trabalho e com a profissão, que somam 13,4%. Os que desanimam por razões pessoais -como problemas familiares, financeiros, afetivos- são 10,5%. Menos de 1% é motivado a largar a faculdade por não se adaptar à cidade em que ela se localiza.
Para a professora Yvette Piha Lehman, autora da pesquisa que defendeu como tese de livre docência, uma alternativa para as universidades evitarem o abandono é oferecer atendimento e orientação profissional. Ela coordena o Serviço de Orientação Profissional do Instituto de Psicologia da USP. "Do total dos alunos que passaram pela orientação, 73% conseguiram clarear os motivos da crise e não desistiram do curso", afirma.
"A consciência da dinâmica facilita o jovem a não ficar paralisado. Ele tem de sustentar uma escolha e paixão. Precisa sentir que está crescendo e não achar que saiu perdendo ao fazer a escolha."
No trabalho, 180 jovens que estavam em crise ou desistiram do ensino superior foram entrevistados. Deles, 85 eram de universidade pública e 95 de universidades particulares. Todas as entrevistas aconteceram em um período de quatro anos, de 1996 a 2002, e a pesquisa foi apresentada por Yvette em setembro.
No Serviço de Orientação Profissional e Vocacional da Unesp de Araraquara, a realidade é praticamente a mesma, segundo a psicopedagoga Maria Beatriz de Oliveira. A coordenadora afirma que, apesar de ainda não ter estatísticas, a prática mostra que o principal motivo da desistência é mesmo a escolha malfeita.
"Há várias causas. Uma delas é a falta básica de informação condizente com a realidade." Por isso, a professora organiza uma feira de profissões com dados sobre o curso e o mercado.

Quando acontece
Yvette constatou que, quando a desistência acontece no início do curso, está relacionada diretamente à escolha. "Outros motivos são a dificuldade de se adaptar às exigências e aos professores e à mudança do ensino médio para o superior", afirma.
Já quando os jovens se decepcionam no decorrer da graduação -por volta do quarto e do sexto semestres- é porque começaram a se questionar sobre o sentido da profissão. "A angústia é maior, pois eles já se envolveram com boa parte do curso. Nessa hora, eles buscam maior certeza com o que vão se comprometer."
No final do curso, de acordo com a tese, as questões são mais objetivas e se referem ao mercado de trabalho, à busca de emprego.

(*)A autora é repórter do Caderno Fovest, do jornal Folha de S. Paulo. Matéria publicada em 18/10/2005.

segunda-feira, outubro 17, 2005

A DIFÍCIL ARTE DE ESCREVER

Sem fórmulas prontas e com temas complexos, a redação é o maior desafio de vestibulandos com pouco hábito de leitura

Não adianta saber a fórmula de Báscaras de cor e salteado. Nem estudar a da aceleração centrípeta até rachar. Quando chega a hora da redação do vestibular, os aspirantes a universitários depararam com uma ciência vaga, complexa e alheia a teoremas. O hábito da leitura é o melhor ou, talvez, o único aliado do vestibulando nessa hora da prova. Justamente por isso, muitos morrem de medo de encarar o desafio que, no caso da Fuvest, corresponde a 50% do valor da prova de língua portuguesa. “Em se tratando de uma geração que quase não lê e quer tudo para ontem porque está acostumada com textos curtos e instantâneos como os da internet, o desafio é ainda maior”, explica a professora de língua portuguesa Marize Borges, do Colégio Pentágono.
Já que o hábito da leitura não é uma coisa que se adquire de uma hora para outra, o importante nessa reta final, afirma a especialista, é ater-se aos detalhes que podem complicar ou facilitar a escrita (leia quadro ao lado).
Como a maioria das redações pedidas nas provas de vestibular é composta de textos auxiliares, ler atentamente o enunciado da proposta é o primeiro passo importante para quem quer se dar bem. Ater-se à pergunta e tê-la sempre como fio condutor da dissertação também é fundamental. Segundo a professora titular de metodologia da língua portuguesa da USP Maria Thereza Fraga Rocco, vice-diretora executiva da Fuvest, grande parte dos vestibulandos tem dificuldade de compreender a proposta. “Eles falam de tudo, menos do que se pede. Ficam dando voltas sem sair do lugar, ou migram para outra questão que não aquela sobre a qual deveriam dissertar”, diz. Pecam também pela falta de argumentos e se apóiam em falácias de autoridades que, muitas vezes, não têm ligação alguma com o tema em questão.

Professor de literatura, texto e redação do cursinho Anglo desde 1993 até o primeiro semestre deste ano, Frederico Barbosa, atual diretor da Casa das Rosas, conhece bem o fenômeno.Trabalhou cinco vezes como corretor de redação da Fuvest e deparou com algumas pérolas das falácias argumentativas. “Muita gente acha que para se dar bem basta citar algo que alguém importante disse ou escreveu. E, aí, erra feio. Me lembro de uma redação em que o tema era ‘tudo é relativo’ e 90% dos vestibulandos daquele ano começaram o texto citando a teoria da relatividade de Albert Einstein. Pode?”, comenta, indignado. Muitos cursinhos e colégios do ensino particular, acredita Barbosa, têm sua parcela de culpa na história. No afã de preparar o aluno para o vestibular, fazem-no crer que exista uma fórmula simples para redigir com sucesso. “Aí o aluno acha que é chique fazer citações, que é bacana usar ‘como’, ‘entretanto’, ‘todavia’. E quebra a cara no final. Nesse caso, imediatismos não funcionam. Escreve melhor quem lê mais”, sintetiza.

VESTIBULAR

OH, DÚVIDA CRUEL

Saiba como se orientar na hora de escolher o seu curso


Rita Moraes (*)

As datas dos exames vestibulares se aproximam e muitos jovens continuam numa desconcertante indecisão. Apesar de a dinâmica do mercado de trabalho hoje indicar que um profissional pode migrar para várias áreas conforme sua especialização, na cabeça da moçada a faculdade ainda significa uma opção de carreira para o resto da vida. “Essa é a grande angústia. Os jovens sentem o peso de tomar uma decisão definitiva. Mas essa não é a realidade. A faculdade é uma porta para várias possibilidades”, afirma a psicóloga Rosângela Casseano, que trabalha com orientação profissional.
Já a psicóloga Sílvia Groberman, colaboradora do site Vestibular1, lembra que a dúvida é sempre saudável. “Faz a gente pensar, ir para a frente. O jovem deve olhar para sua história de vida, suas habilidades naturais e desfazer mitos. Quem faz o que gosta tem mais possibilidades de ser bem-sucedido”, aponta.

De qualquer forma, é uma decisão difícil numa idade precoce, em que ainda estão em vigor as turbulências da adolescência. Além disso, as possibilidades são muitas e não raro os interesses juvenis também, e às vezes parecem opostos. Um vestibulando pode gostar de biologia, mas também de informática e ficar assolado pela dúvida por não imaginar que as duas áreas se cruzam, por exemplo, na informática biomédica, curso oferecido pela Universidade de São Paulo. Por isso, a melhor dica é buscar o máximo de informação. “Ler sobre as profissões, observar o cotidiano e as exigências delas, conversar com profissionais das áreas de interesse, assistir a algumas aulas nas universidades e obter informações com os alunos sobre os cursos são meios de afinar a escolha”, aconselha o professor Roberto Costa, da diretoria da Fundação Universitária para o Vestibular (Fuvest), da Universidade de São Paulo (USP), que recebeu este ano 170.496 inscrições. Apesar de ser a universidade mais concorrida do País, a USP também apresenta índices de evasão: 15% em média, com cursos que chegam a 40%, como os de licenciatura de matemática e física. Os principais motivos são falta de perspectiva profissional, carência de habilidades especiais em carreiras como artes cênicas e imaturidade intelectual mesmo. “Muitas disciplinas exigem a leitura de autores difíceis e, no nosso ensino médio, os alunos se acostumam a ler resumos”, explica Costa.
Habilidades especiais e maturidade intelectual se conseguem com preparo, mas é possível driblar a falta de perspectiva profissional analisando o mercado. Hoje há uma profusão de cursos novos, como design e planejamento de games ou engenharia física. As áreas do conhecimento estão cada vez mais interligadas. Assim sendo, os cursos tradicionais – engenharia, química, física, matemática, biologia, direito e medicina – são ainda os mais seguros, só que acrescidos das novas demandas.

O sociólogo e professor Wagner Horta, que há 15 anos publica o Guia das Profissões, detalha o que isso significa. “Tudo que se relacionar com reaproveitamento de água e conservação do meio ambiente estará em alta nos próximos anos. Também a pesquisa genética, na cidade ou no campo. Deve-se pensar em licenciatura para desenvolvimento de novas tecnologias”, diz ele. Temos então boas carreiras nas áreas de direito ambiental e internacional, geologia voltada para a busca de riquezas minerais e zootecnia, veterinária, agronomia e medicina, com ênfase em pesquisa genética. Na área de saúde, o atendimento aos idosos deverá ser cada vez mais requisitado. No campo, o desenvolvimento do agrobusiness exigirá administradores especializados.

Foco
As áreas de moda, turismo e gastronomia, que vêm há alguns anos ganhando espaço no mercado, continuam merecendo atenção. No entanto,
o professor Horta sugere um foco diferente. “Podemos pensar no turismo
curativo, voltado para o planejamento, a recuperação e o aproveitamento de
riquezas ambientais. Na moda, fugir do estilismo e voltar-se para o desenvolvimento de tecidos com materiais nacionais.” Outros segmentos em destaque são
os relacionados a bem-estar e beleza, como fisioterapia e nutrição ou desenvolvimento de cosméticos e fitoterápicos. Se não for possível unir todos
os interesses num curso de graduação, há sempre a possibilidade de fazer esse encontro na especialização. Afinal, o aprendizado contínuo é a tônica do mercado
de trabalho hoje.

(*) Repórter da revista Istoé. Matéria publicada na edição de 19/10/2005.

domingo, outubro 16, 2005


LIVROS E COMPANHIA

Além de publicações comuns a preços mais baixos, alguns sebos de São Paulo vendem raridades

Fernando Cassaro(*)


ALFARRÁBIO ORNABI:
Desde 1948 no ramo, vende de romances a livros técnicos. Quando o cliente não encontra o título desejado, vai atrás da encomenda. Os preços variam de R$ 1,00 a R$ 10 mil. Abre de segunda a sexta, das 8h30 às 18h e, aos sábados, das 8h30 às 13h. R. Benjamin Constant, 141, Centro, tel.: 3105-6028.

ALTERNATIVA SEBO:
Vende livros, CDs e LPs. Quando o livro é difícil de ser encontrado, faz uma busca em pontos de venda concorrentes. Abre de segunda a sexta, das 8h30 às 19h30 e, aos sábados, das 8h30 às 15h30. R. Líbero Badaró, 100, Centro, tel.: 3107-0774.

BAGDÁ BOOKS: Especializado em livros e revistas, o sebo possui no acervo um pouco de cada assunto. Tem, por exemplo, um dicionário da língua portuguesa, editado em dois volumes, no ano de 1823, em Lisboa, de autoria de Antônio de Moraes e Silva, que sai por R$ 1 mil. Abre de segunda a sexta, das 9h30 às 19h e, aos sábados, das 9h30 às 18h. R. Joaquim Floriano, 943, Itaim Bibi, tel.: 3078-6617.

DISCOMANIA:
Especializado em LPs, também compra, vende e troca DVDs, VHSs e CDs. No acervo, há desde discos da década de 1920 até os mais recentes. Quando o álbum pedido não é encontrado, pode importá-lo dos Estados Unidos. Os preços variam de R$ 0,50 a R$ 3.500,00. Abre de segunda a sexta, das 10h às 19h30 e, aos sábados, das 10 às 17 horas. R. Augusta, 560, Centro, tel.: 3257-2925.

LIVRARIA BRANDÃO: Vende apenas livros, desde os raros até os mais atuais. Trabalha com todos os temas, e os títulos que não são encontrados na loja podem ser encomendados. Uma coleção rara de 15 volumes sobre o café, escrita por Affonso Taunay, custa R$ 1.500,00. Abre de segunda a sexta, das 9 às 19 horas e, aos sábados, das 9 às 17 horas. R. Coronel Xavier de Toledo, 234, Centro, tel.: 3214-3646.

LIVRARIA INDÚSTRIA CULTURAL:
Em 300 metros quadrados, comercializa de tudo, desde aparelhos e móveis antigos até livros raros. Além de vender, também compra de tudo. Caso o cliente não encontre um determinado título, vão atrás da encomenda. Um livro raro sobre o primeiro plano de avenidas de São Paulo, elaborado pela administração de Prestes Maia no fim de 1930 e início de 1940, sai por R$ 5.500,00. Abre de segunda a sexta, das 8 às 19 horas e, aos sábados, das 8 às 19 horas. Viaduto Nove de Julho, 184, Centro, tel.: 3151-2391.

LIVRARIA E SEBO HORIZONTE: Trabalha só com livros, de todos os temas, desde os técnicos até os romances. Compra e vende as publicações, e efetua buscas de títulos não encontrados. Entre as raridades, uma coleção de dez volumes sobre a História da Companhia de Jesus, editada em 1938. Sai por R$ 3 mil. Abre de segunda a sexta, das 9 às 19 horas e, aos sábados, das 9h às 14h30. R. Libero Badaró, 82, Centro, tel.: 3107-7847.

SEBO CASA DAS REVISTAS USADAS - SEBOCRU:
Tem desde livros e histórias em quadrinho a revistas, CDs e DVDs. Faz buscas de títulos difíceis de serem encontrados. Abre de segunda a sexta, das 10 às 19 horas e, aos sábados, das 10 às 15 horas. R. Domingos de Morais, 814, loja 33-A da Galeria Paraíso, Vila Mariana, tel.: 5579-9205.

SEBO MESSIAS:
Um dos mais tradicionais de São Paulo, vende livros, CDs, LPs, DVDs, TVs, rádios e VHSs. É possível encontrar livros sobre qualquer tipo de assunto, de romances a publicações técnicas, dentro de uma faixa variada de preços. Abre de segunda a sexta, das 9 às 19 horas e, aos sábados, das 9 às 17 horas. Pça. Doutor João Mendes Júnior, 140, Centro, tel.: 3104-7111.

SEBO DA MOOCA:
Tem livros, CDs e DVDs. Os romances custam a partir de R$ 1,00. O cliente é avisado quando o título de interesse chega à loja. Abre de segunda a sexta, das 9h30 às 19h30 e, aos sábados, das 9h30 às 18h. R. da Mooca, 2513, Mooca, tels.: 6695-2166 ou 6694-9619.

TREZE LISTRAS:
Especializado em livros. Tem serviço de busca de títulos. Entre as raridades, algumas das primeiras edições de Mario de Andrade, que custam a partir de R$ 300,00. Abre de segunda a sexta, das 9 às 19 horas e, aos sábados, das 9 às 13 horas. R. Aurora, 704, Centro, tel.: 221-0817.

RED STAR:
Vende livros, histórias em quadrinho, LPs, CDs, VHSs e DVDs. O preço dos livros varia de R$ 0,50 a R$ 6 mil. Abre de segunda a sexta, das 9 às 20 horas e, aos sábados, das 9 às 18 horas. R. José Bonifácio, 215, Centro, tel.: 3107-1012.

(*) Repórter do caderno Feminino, do jornal O Estado de S. Paulo. Matéria publicada em 16/10/2005.

sábado, outubro 15, 2005

ENSAIO

TUDO O QUE É SÓLIDO DERRETE AO SOL DOS TRÓPICOS

Roberto Pompeu de Toledo (*)

O PCdoB que já foi da Albânia e da guerrilha
no Araguaia rasgou a fantasia e caiu na gandaia


A mais contundente intervenção do comunista Aldo Rebelo no comando de uma sessão da Câmara dos Deputados, até agora, foi uma invocação a Deus. "Por favor, parem com isso, pelo amor de Deus", conclamou, enquanto os deputados Arlindo Chinaglia e Inocêncio Oliveira ameaçavam trocar socos no plenário. O comunismo é uma doutrina materialista que fez sua estréia mundial com um apelo aos fantasmas ("Um fantasma ronda a Europa", diz, em sua primeira linha, o Manifesto de Marx e Engels, de 1848), o que é uma atenuante em favor do novo presidente da Câmara. Mesmo assim, que distância em relação a comunistas da cepa de um Manuel Venâncio Campos da Paz, prócer da época da Aliança Nacional Libertadora e da chamada "Intentona" de 1935. Em seu leito de morte, Campos da Paz foi visitado por um prelado da Igreja Católica, amigo da família, que lhe perguntou se não queria receber os sacramentos. O velho indignou-se: "Não me peça, num momento de fraqueza, que eu renegue tudo aquilo pelo que lutei. Morro como um comunista".

Aldo Rebelo é do PCdoB, partido que já reverenciou Mao Tsé-tung, depois se bandeou para Enver Hoxha, o arquiteto desse prodígio de liberdade, progresso e bem-estar que é a Albânia, e foi ficando cada vez mais engraçado. O PCdoB conta com escassos votos, mas isso não o impede de manter a UNE, que prescinde de eleições diretas, como um seu cartório. Ultimamente a UNE patrocinou a campanha contra a corrupção, contra a política econômica e a favor de Lula. Se ninguém se deu conta do movimento, isso não impede que se admire a fina construção intelectual que foi a junção, numa só, de três causas que a um espírito menos requintado soariam incompatíveis.

Na miudeza de seu dia-a-dia, a UNE/PCdoB consegue algumas vitórias. Em março passado, uma manifestação de três dezenas de seus militantes, em Manaus, conseguiu fazer com que o secretário de Defesa americano, Donald Rumsfeld, deixasse a sede do Sindacta, o sistema de controle do tráfego aéreo na Amazônia, pela porta dos fundos. Na da frente, o orador de plantão invectivava contra o visitante, que ora chamava de "Rothsheld", ora de "Rothfield", segundo anotou o enviado da Folha de S.Paulo ao evento, João Batista Natali. Um cartaz dos manifestantes repudiava aquele que, num inglês complexo, ainda não dominado pelos praticantes nativos desse idioma, era alcunhado de "Sir of War". O PCdoB opera em outro nível. Não ia contentar-se com o mero "Lord of the War" que os praticantes de um inglês mais comum escolheriam para significar "Senhor da Guerra".

Ultimamente, o partido que foi de João Amazonas, hóspede contumaz dos cárceres de diversos regimes brasileiros e propugnador da luta armada para o assalto ao poder, passou a dedicar-se a atrair para suas fileiras figuras que nem de longe se suspeitava abrigassem dentro do peito, batendo calado, um coração comunista. Um deles foi Ademir da Guia, o "Divino", craque incomparável, que além das glórias acumuladas nos gramados mereceu um poema em que João Cabral de Melo Neto descreve seu estilo de jogo com precisão jamais alcançada pelos cronistas esportivos – "Ademir impõe com seu jogo / o ritmo do chumbo (e o peso), / da lesma, da câmara lenta, / do homem dentro do pesadelo". Pobre Ademir. Eleito, pelo PCdoB, vereador em São Paulo, pesadelo igual ao que infligia aos adversários passou a viver quando foi acusado pelos assessores de embolsar-lhes parte dos salários. O ex-craque acabou deixando o partido. Pendurou o comunismo assim como, antes, havia pendurado as chuteiras.

Maior surpresa ainda é esta última, em que o senador do Tocantins Leomar Quintanilha, rico fazendeiro, antigo chefe regional da Arena, o partido do regime militar, antigo companheiro de Paulo Maluf no PDS, ultimamente no PMDB, anunciou seu ingresso na gloriosa agremiação da foice e do martelo. Pelo amor de Deus, senador! Então era tudo um disfarce – o gosto pela propriedade, as 800 cabeças de gado na fazenda de 1.600 hectares, as alianças com a ditadura e a oligarquia? Tudo para, como bom capa preta, melhor lhe encobrir as ações destinadas a induzir à revolução e à ditadura do proletariado?

Em outros tempos, os tempos heróicos de Manuel Venâncio Campos da Paz, a interpretação seria essa mesma. Bom serviço prestava à causa o militante enrustido, dedicado a solapar o inimigo por dentro, "se infiltrando no adversário",para voltar ao poema de João Cabral sobre Ademir da Guia, "mandando nele, apodrecendo-o". Cumprida a missão, o agente encoberto podia permitir-se sair do armário, triunfante. Nestes tempos, é outro o caso. Quem está saindo do armário não é o senador Quintanilha, mas o PCdoB. O velho partido da guerrilha no Araguaia rasga a fantasia e cai na gandaia. "Tudo o que é sólido desmancha no ar", constatava o mesmo Manifesto Comunista de Marx e Engels. Para eles, o Brasil era uma realidade (ou uma irrealidade) muito distante. Se não, eles poderiam ter acrescentado que tudo o que começa pretendendo-se sério acaba por derreter-se ao sol dos trópicos.

(*)O autor escreve na revista Veja. Esse artigo foi escrito originalmente para a edição de 19/102005.

EDUCAÇÃO

COTA SIM, MAS COM MÉRITO

Um programa gaúcho leva estudantes
da rede pública à universidade – e sem assistencialismo


Camila Pereira, de Santa Maria (RS)(*)

Atualmente, no Brasil, 42% das vagas nas universidades estaduais e federais são preenchidas por estudantes vindos do ensino público. Dito desse modo, não parece um número tão pequeno. Ocorre que ele reflete apenas parcialmente a realidade. Grande parte desses alunos só conseguiu furar o bloqueio do vestibular porque optou por cursos pouco disputados. No caso de carreiras mais concorridas, como medicina e odontologia, o índice de aprovação de alunos egressos da rede pública cai drasticamente: é de apenas 15%. Um programa criado pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul, mostra que esse quadro pode ser mudado com a adoção de medidas relativamente simples. Para aumentar as chances dos estudantes vindos da rede pública de brigar por uma vaga na universidade em condições mais próximas das daqueles que tiveram acesso ao ensino privado, a universidade foi à raiz do problema: montou um programa destinado a melhorar a qualidade do ensino médio no estado. Os resultados têm sido extraordinários. Hoje, 66% dos estudantes da UFSM vieram do ensino público e 34% dos seus alunos de medicina (mais do que o dobro da média nacional) idem. "Passar num curso de medicina era um sonho distante para mim", diz Évelin Flach, de 18 anos. Filha de um casal de agricultores, ela tornou-se, no início deste ano, um dos 8.700 estudantes da universidade que passaram pelo programa.

Batizado de Peies (Programa de Ingresso ao Ensino Superior), funciona da seguinte maneira: anualmente, a equipe da UFSM aplica exames para estudantes das três séries do ensino médio em 1 094 escolas. Com base na avaliação, produz um detalhado relatório ressaltando as deficiências de cada escola e elabora programas pedagógicos que, ministrados pelos professores da universidade aos professores das escolas públicas, têm como objetivo suprir as lacunas identificadas. Quando chega a época do vestibular, os alunos têm duas opções: prestar normalmente o vestibular (já com o reforço do programa) ou apresentar as notas obtidas nos exames aplicados pela UFSM. A universidade reserva 20% de suas vagas aos alunos que tiverem tido melhor desempenho nas provas.

O exemplo de Santa Maria funciona como uma alternativa concreta ao projeto de implantação de cotas destinadas às minorias nas universidades federais, que o MEC sonha ver sair do papel ainda neste ano (veja quadro). Ambos querem levar à universidade os menos favorecidos. O projeto oficial, no entanto, ao desprezar a defasagem de preparo entre cotistas e alunos regulares, acaba por prejudicar os segundos. Um estudo feito pela Universidade de São Paulo mostra que, caso o projeto federal seja colocado em prática, estudantes com notas até 40% mais altas do que a dos cotistas correm o risco de ficar de fora no processo de seleção. O projeto de Santa Maria também reserva cotas – mas elas não são destinadas a nenhuma minoria, e sim àqueles que tiverem obtido boas notas nos exames aplicados pela UFSM. Ou seja: são os melhores alunos que entram na universidade. "O programa de Santa Maria optou pelo sistema meritocrático, ao contrário da proposta do MEC", diz Claudio de Moura Castro, especialista em educação superior e articulista de VEJA.
Há ainda um outro aspecto em que o projeto gaúcho ganha do projeto do governo. O segundo aumenta as chances das universidades de absorver um grande número de estudantes despreparados, o que contribuiria para a queda do nível do ensino. No caso de Santa Maria, ocorre o contrário: com 60% a mais de estudantes vindos do ensino público do que a média nacional, ela figura entre as sete universidades com melhores resultados no Enade 2004 (Exame Nacional de Estudantes, do MEC). O programa gaúcho, diferentemente do programa do governo federal, oferece também moradia, vale-transporte e alimentação para os alunos mais pobres. Com isso, o índice de evasão na UFSM já é três vezes mais baixo do que no resto do país. "Não conseguiria me manter na universidade sem esse auxílio", diz Andiara Mumbach, 18 anos, aluna de música.

Mais do que contribuir para o aperfeiçoamento do ensino médio e implantar um sistema de inclusão universitária que privilegia o mérito em detrimento do assistencialismo, o programa de Santa Maria, que completa dez anos, conseguiu o que talvez seja o seu maior feito: colocar a universidade no horizonte de perspectivas de jovens que, sem ele, jamais poderiam sonhar com essa possibilidade. "Meus irmãos mais velhos passaram a vida ouvindo dizer que existia uma universidade boa em Santa Maria, mas nunca sonharam que um dia pudessem estudar lá", diz Juliano Andres, 23 anos. Estudante de mestrado em geografia, ele nasceu em Pirapó, cidade de 3.000 habitantes, onde seus pais ganham a vida como pequenos agricultores. "Com o programa, essa situação mudou. Hoje, os jovens da minha cidade vêem a universidade como uma meta concreta."

(*)Repórter da revista Veja. Materia publicada na edição 19/10/2005.

ALÉM DO ARROZ E FEIJÃO

Dez especialistas sugerem os 15 alimentos que devem ser consumidos pelo menos uma vez por semana


Flávia Mantovani e Marcos Dávila (*)

Combinação tipicamente nacional, a dupla feijão e arroz foi citada, mas não o suficiente para integrar a lista dos 15 alimentos que deveriam estar no cardápio do brasileiro pelo menos uma vez por semana. A seleção foi feita a partir dos votos de dez especialistas, entre médicos, nutricionistas e nutrólogos, ouvidos pela Folha.
Os ingredientes foram reunidos em uma única refeição proposta pelo chef Gustavo Iglesias, da escola Viandier Casa de Gastronomia, em São Paulo. Como entrada, a sugestão é carpaccio de salmão com molho de iogurte e azeite com salada verde e tomate-cereja. Para o prato principal, músculo assado com farofa de aveia e soja e brócolis, cenoura e alho no vapor. De sobremesa, banana assada com calda de laranja, castanha-do-pará polvilhada e sorvete de iogurte com leite.
"O difícil é convencer as pessoas a comerem o básico", afirma o cardiologista Heno Ferreira, do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas de São Paulo, que, como a maioria dos entrevistados, optou por ingredientes baratos e fáceis de serem encontrados.
(*) Repórteres do jornal Folha de S. Paulo


O que os especialistas recomendam:


FOLHAS VERDES
Excelentes fontes de fibras alimentares, vitaminas e sais minerais, fazem parte dos chamados alimentos reguladores. "A chicória crua ajuda a regular o nível glicêmico e é muito importante para diabéticos", afirma a bioquímica de alimentos Glaucia Pastore, da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). "A alface é uma boa opção, pois é muito fácil de ser encontrada e, além das fibras, tem cálcio e vitaminas A, B e C", afirma o cardiologista Heno Ferreira, coordenador do Ambulatório de Síndrome Metabólica do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da USP. Segundo o endocrinologista Ricardo Meirelles, do departamento de diabetes da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, as folhas verdes contêm alta quantidade de ácido fólico, necessário para a produção de glóbulos vermelhos.

CARNE VERMELHA
O clínico-geral Abrão José Cury Júnior, diretor da Sociedade Brasileira de Clínica Médica, explica que a carne vermelha, como os peixes, está no grupo dos alimentos construtores, fornecedores de proteínas. "A ingestão desses alimentos deve ser variada. É importante que as quantidades sejam individualizadas de acordo com o perfil clínico de cada pessoa", afirma. A carne vermelha também contém vitamina B12 e ferro, e a falta desses componentes no organismo pode gerar anemia. O ferro presente na carne é mais absorvido pelo organismo do que aquele de origem vegetal. "É importante consumir pelo menos uma vez por semana, já que a carne contém uma proteína necessária à formação da membrana das células", afirma a oncologista Célia Tosello de Oliveira, coordenadora do Centro de Estudos do IBCC (Instituto Brasileiro de Controle do Câncer).

CENOURA
Assim como outros vegetais amarelos e vermelhos, possui uma grande quantidade de betacaroteno. De acordo com o cardiologista Heno Ferreira, os carotenóides presentes na cenoura são transformados em vitamina A, muito importante para a visão. Há estudos que revelam uma ação antioxidante dos betacarotenos. "Mas a cenoura, como o tomate, absorve muito agrotóxico, que também provoca câncer. A pessoa não pode exagerar na dose e pensar que está se protegendo", afirma a oncologista Célia Tosello de Oliveira. Segundo o endocrinologista Ricardo Meirelles, pesquisas mostram que é melhor consumir o betacaroteno naturalmente presente nas raízes, como a cenoura, nas frutas e em outros vegetais, do que tomar suplementos farmacêuticos. A nutricionista Sônia Tucunduva Phillipi, professora e pesquisadora da Faculdade de Saúde Pública da USP, afirma que a vitamina A contida na cenoura também é importante para a manutenção da pele e dos ossos.

PEIXE
Por apresentar baixo teor de gordura saturada, é uma ótima fonte de proteína. Para o nutrólogo Edson Credidio, diretor da Sociedade Brasileira de Nutrologia, deve estar na dieta pelo menos duas vezes por semana. Alguns peixes de água fria, como salmão e bacalhau, são ricos em ômega 3 -uma gordura poliinsaturada que aumenta o colesterol "bom" e reduz o "ruim" e é importante para a redução de triglicídeos. "O ômega 3 faz parte dos ácidos graxos essenciais, que o corpo não fabrica. Isso significa que, se a pessoa não consumir, não vai ter essa substância no corpo", afirma. Segundo ele, peixes de mar têm mais ômega 3, pois a presença dessa gordura está relacionada com o consumo de plâncton. "Mas atualmente os peixes criados em piscicultura recebem ração com ômega 3", afirma. "Essa substância tem uma ação antiinflamatória, que impede a formação de coágulos, prevenindo infartos e derrames", completa o cardiologista e nutrólogo Daniel Magnoni, do Instituto de Metabolismo e Nutrição.

AZEITE
Consumido pelo homem desde a Antigüidade, o azeite de oliva é rico em gorduras monoinsaturadas, que ajudam a elevar o HDL (colesterol "bom") e a reduzir o LDL (colesterol "ruim"). "Cerca de 20% das calorias diárias consumidas por uma pessoa devem vir da gordura monoinsaturada, 10%, da poliinsaturada e até 7%, da saturada", afirma o cardiologista e nutrólogo Daniel Magnoni.
O azeite também tem propriedades antioxidantes e combate os chamados radicais livres, associados ao câncer.
Para aproveitar melhor os benefícios desse alimento, o recomendável é consumi-lo na forma extravirgem, menos refinada. De acordo com Daniel Magnoni, cada pessoa deve ingerir 20 ml (o equivalente a duas colheres de sopa) diariamente.
Como suas propriedades se perdem com o aquecimento, ele deve ser usado frio, no tempero da salada, por exemplo.

LEITE
É um dos principais fornecedores de cálcio e de vitamina A, além de possuir proteínas de alto valor biológico. Adultos devem dar preferência aos leites desnatados e semidesnatados, mais indicados por apresentar um nível de gordura inferior. "Não existe outro alimento que tenha a concentração de cálcio semelhante à do leite", afirma o cardiologista Heno Ferreira. Ele recomenda a ingestão de três copos por dia, principalmente para as mulheres. "É uma forma de prevenir a osteoporose, mais comum nelas", diz. Segundo ele, quem tem intolerância a lactose ou alergia às proteínas do leite deve procurar algum tipo de suplementação de cálcio. "É indispensável em todas as fases da vida", afirma a nutricionista Marilane Dionisio, coordenadora de nutrição do Hospital Barra D'Or, no Rio de Janeiro. "Mas é preciso ter cuidado para não aumentar a ingestão de calorias. Um consumo aceitável fica em torno de 200 ml por dia", afirma.

ALHO
Muitas propriedades terapêuticas vêm sendo atribuídas pela cultura popular a esse alimento. Nem todas, no entanto, são comprovadas cientificamente. Segundo Jocelem Mastrodi Salgado, pesquisadora e professora titular de nutrição da Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz)/USP e presidente da Sociedade Brasileira de Alimentos Funcionais, pesquisas recentes mostram que alguns de seus componentes, como a alicina, inibem uma bactéria que causa a úlcera e que tem sido apontada como precursora do câncer gástrico. Trabalhos científicos também mostram que ele ajuda a manter a pressão arterial regulada e a diminuir o colesterol "ruim" (LDL).
Como o aquecimento acima de 50oC destrói seus princípios ativos, o recomendável é consumi-lo cru, no tempero de saladas, por exemplo.

LARANJA
Conhecida por ser fonte de vitamina C -tem cerca de 50 mg a cada 100 g, apenas 10 mg a menos do que a recomendação diária do nutriente-, a laranja também possui flavonóides, que são responsáveis por sua ação na prevenção do câncer.
Segundo a bioquímica de alimentos Gláucia Pastore, o efeito dos flavonóides é potencializado pela presença da vitamina C. "Trata-se de uma mistura muito interessante", diz.
Como o processo de oxidação do suco de laranja é muito rápido, uma sugestão é tomá-lo logo depois de ele ser preparado. "Quando ingerida com bagaço, a laranja é uma excelente fonte de fibras, nutrientes que auxiliam o funcionamento intestinal", acrescenta o endrocrinologista Ricardo Meirelles.

SOJA
A soja ganhou fama por ajudar a atenuar os sintomas da menopausa -ação realizada por suas proteínas com um fitoestrógeno denominado isoflavona, que tem estrutura molecular semelhante à do hormônio humano. Mas, segundo a professora de nutrição Jocelem Salgado, estudos mostram que ela também atua na prevenção de doenças cardiovasculares, do câncer de próstata e do câncer de mama dependente de estrógeno. Como nos países ocidentais o consumo da leguminosa não costuma atingir a quantidade necessária para que ela traga benefícios, em alguns casos é recomendável tomar seus compostos ativos isolados. Para retirar o sabor característico que pode ser desagradável, é recomendável jogar um pouco de água corrente sobre os grãos cozidos.

AVEIA
Desde 1997, a FDA (Food and Drug Administration, agência norte-americana que fiscaliza alimentos e remédios) reconhece que o consumo regular de aveia ajuda a prevenir doenças cardíacas. Isso se deve a uma fibra solúvel chamada betaglucano, que ajuda a reduzir o colesterol "ruim" (LDL). Quem tem problemas gastrointestinais deve prestar atenção especial ao farelo, rico em fibras insolúveis, que regulam o funcionamento do intestino. Segundo a oncologista Célia Tosello de Oliveira, a aveia também atua na prevenção do câncer. "Ela auxilia na formação e na eliminação do bolo fecal, reduzindo a incidência de câncer do intestino e do tubo digestivo", afirma a médica.

BANANA
A vantagem da banana é a alta quantidade de frutose e de potássio. Segundo o cardiologista Heno Ferreira, o potássio exerce um efeito protetor em relação à hipertensão. "É uma substância vasodilatadora. Para quem precisa tomar diurético, por exemplo, é recomendada uma alimentação rica em potássio", afirma Ferreira. A nutricionista Marilane Dionisio explica que o potássio também melhora a circulação do sangue no organismo, diminuindo a incidência de cãibras. "E a ingestão de banana é uma forma de repor rapidamente o potássio em caso de diarréia, por exemplo". A fruta possui também vitaminas A, B1, B2 e C, que ajudam a tranqüilizar o sono e melhoram o humor.

FRUTAS OLEAGINOSAS
A castanha-do-brasil (ou castanha-do-pará), as nozes e as avelãs são exemplos de alimentos desse grupo. As oleaginosas são ricas em selênio, oligoelemento relacionado com o sistema imunológico e com as funções do sistema nervoso central. No caso da castanha-do-brasil, apenas uma unidade é capaz de fornecer a necessidade diária de selênio. Suas gorduras, monoinsaturadas, ajudam a prevenir doenças cardiovasculares. Uma delas, chamada betasistosterol, dificulta a absorção do colesterol pelo organismo. Segundo o nutrólogo Edson Credidio, alguns estudos mostram que as oleaginosas ajudam a prevenir câncer, esclerose múltipla e mal de Alzheimer.

TOMATE
A cor vermelha do tomate é dada pelo alto teor de licopeno, uma substância antioxidante que combate os radicais livres. Segundo a bioquímica de alimentos Glaucia Pastore, os produtos derivados de tomate, como molhos, têm mais licopeno disponível do que o tomate in natura. "Com o calor, a biodisponibilidade do licopeno aumenta", complementa a nutricionista Marilane Dionisio. Ela afirma que, mesmo depois de passar pelo processo de industrialização, o licopeno não é destruído. "Mas é preciso procurar um produto com baixo teor de calorias e de sódio."

BRÓCOLIS
Os brócolis contêm fitoquímicos que inibem o desenvolvimento de bactérias causadoras de gastrite e de úlcera estomacal e ajudam na prevenção do câncer. Da família dos vegetais crucíferos (à qual pertencem também o espinafre e a couve), eles são ricos em vitaminas C e A e em ácido fólico, ferro, potássio, cálcio e selênio. São também as hortaliças com a maior concentração de ferro (15 mg a cada 100 g do vegetal). O ideal é comer os brócolis cozidos, já que, quando crus, eles possuem certas enzimas que atrapalham a absorção de seus nutrientes.

IOGURTE
É indicado para a prevenção do câncer e para o controle do colesterol. De acordo com a professora de nutrição Jocelem Mastrodi Salgado, as bactérias probióticas (benéficas à saúde) presentes nos iogurtes atuam no equilíbrio da microflora intestinal e nas disfunções do trato intestinal, como diarréias e constipações. Além disso, essas bactérias melhoram o sistema imunológico e aumentam a absorção de cálcio pelo organismo. É também uma importante fonte de proteínas, zinco e vitaminas A e do complexo B.

quarta-feira, outubro 12, 2005

VESTIBULAR: PROVA DE HABILIDADES TESTA TALENTO

Candidatos a cursos como arquetetura, dança e música precisam passar por exame específico


Renata Baptista (*)

A imagem de uma pessoa com aptidão para as artes muitas vezes é associada à de alguém que não gosta tanto de estudar. Essa impressão, no entanto, é deixada de lado na hora do vestibular: candidatos interessados em artes plásticas, cênicas, arquitetura, design, dança e música, entre outros, são submetidos a uma prova de habilidades específicas -além do exame tradicional, no qual é cobrado o conteúdo ministrado no ensino médio.
Nas instituições em que são solicitadas, essas provas têm como objetivo avaliar a aptidão dos alunos para cursarem algumas das disciplinas práticas do curso. Trata-se de desenho para alunos de artes plásticas, arquitetura, desenho industrial e design, execução de instrumentos musicais nas graduações da área de música, técnica e criatividade para dança e interpretação para artes cênicas.
Para que o conteúdo exigido esteja de acordo com o que vai ser abordado durante a graduação, as provas são elaboradas e aplicadas por professores dos próprios departamentos.
Segundo o coordenador do curso de artes plásticas da USP, Marco Giannotti, o fato de a maioria dos candidatos ter cerca de 17 anos é levado em consideração na hora da elaboração da prova. Mesmo assim, de acordo com ele, o futuro aluno "deve mostrar inteligência no olhar e capacidade de se expressar". "Na universidade, tudo é desenvolvido, mas é preciso ter aptidão", diz.
De acordo com a coordenadora de arquitetura do campus Bauru da Unesp, Emília Pires, apesar de alguns alunos do curso discordarem da necessidade dos exames, ela os considera essenciais.
"Os alunos acham que, pela entrada do computador na vida acadêmica e profissional, a prova não faz sentido. Mas quem sabe desenhar tem uma sensibilidade criativa muito maior, muito mais explorada. O desenho não é um instrumento mecânico", diz Emília. Ela explica que, durante o curso de graduação, há muitas disciplinas que dependem do desenho.
"Observamos em uma das provas de aptidão a capacidade do candidato de avaliar proporções, luminosidade, textura e enquadramento de um objeto na folha, entre outros aspectos. Em outro exame, avaliamos a sua criatividade", explica Emília.
Para o coordenador do bacharelado em artes visuais da Unesp, Pelópidas Cypriano, a prova de habilidade específica também é uma oportunidade para triar alunos interessados e talentosos daqueles que ainda estão indecisos. "Não queremos pegar aqueles "pára-quedistas" que, por não saber o que fazer, optam por artes. Procuramos quem já sabe do que aquilo se trata."
O coordenador de graduação do departamento de música da Unicamp, Carlos Fiorini, concorda com Cypriano. "Quem só fez umas aulinhas de violão dificilmente conseguirá ser aprovado nos testes, pois é necessário um estudo bem embasado de música e treinamento auditivo", explica.

"O trabalho da universidade, nesse caso, é o de aperfeiçoamento e de complemento", explica o coordenador da prova de aptidão do curso de música da USP, Edelton Gloeden.

Conhecimento
Mesmo tendo consciência de que as provas de aptidão têm um peso grande na nota final do vestibular, os candidatos não devem encará-las como um "bicho-papão". Como o conteúdo delas está ligado à preferência do candidato, os vestibulandos devem tomar isso a seu favor na preparação.
Para ser bem-sucedido na prova, o ideal é buscar o máximo de informações. Uma boa dica é resolver avaliações anteriores, que são disponibilizadas nos sites das instituições, e ler com atenção as instruções e o conteúdo programático de cada exame, que estão nos manuais.
"Observar as provas que foram aplicadas nos últimos anos dá uma boa referência do que se espera do candidato na avaliação", explica o coordenador do curso superior de audiovisual da USP, Fernando Scavoni.

Para coordenadores, experiência anterior é essencial em exame

Experiência é essencial para a execução das provas de aptidão. Isso é uma voz comum entre os coordenadores dos cursos ligados à arte. Como lembra Fernando Scavoni, do curso superior do audiovisual da USP, "talento é 10% inspiração e 90% transpiração".
Para ter um bom rendimento no exame, muitos candidatos recorrem a cursinhos preparatórios, como o de linguagem arquitetônica. Apesar de ser voltado para futuros alunos de arquitetura, o curso também é indicado para candidatos de artes plásticas, educação artística, design ou desenho industrial.
É o caso de Valéria Fernandes, 18, que para tentar conseguir uma vaga no curso de arquitetura está, desde o início deste semestre, investindo nas aulas. "Acho que vale a pena, pois vai ser um diferencial na hora da prova e será útil para quando entrarmos na faculdade", diz a estudante.
Para o coordenador da prova de aptidão em música da USP, Edelton Gloeden, a necessidade do candidato ter que buscar conhecimento em cursos antes de entrar na universidade mostra a deficiência das escolas de base brasileiras em relação à arte.
"Nossas escolas não ensinam arte, e o Brasil está perdendo muitos talentos por isso, pois não dá chance nem para as pessoas começarem." (RB)

PRÁTICA EXIGE DISCIPLINA ALÉM DA AULA

SIMONE HARNIK (*)

Quem pensa que vida de artista é cheia de inspiração e beleza não está completamente enganado, mas é preciso ver o outro lado da profissão: as longas horas dedicadas ao estudo, os calos nos pés dos bailarinos, o leva-e-traz de instrumentos nos ensaios e nas apresentações, o peso das telas, o custo do material para a produção de filmes.
No mundo da música, se ilude quem acredita apenas no talento. A permanência na faculdade de quem quer se tornar um maestro é igual à de um médico: seis anos. "A faculdade amplia muito a visão.Ensina a pensar coisas que na escola de música você não aprende", diz Otávio Simões, aluno do curso de regência da USP. "O curso aborda bastante a parte de filosofia, a ligação da música com outras artes."
Desde os oito anos, Otávio tem contato com a música pelos vinis do avô. Nessa época, começou a dizer que ia dirigir uma orquestra. E, de repente, o que era brincadeira ficou sério. Aos 12 ingressou no curso de piano, aos 15 já era regente-assistente de um coro e agora, prestes a se formar, é regente-assistente da Ocam (Orquestra de Câmara) da USP.
Nos dois primeiros anos do curso, as matérias teóricas são comuns a todos os alunos. Depois, começam matérias específicas de cada modalidade. "O terceiro e o quarto são os anos mais puxados para quem quer regência. Exigem muito tempo de estudo", diz.
Mesmo ainda no primeiro ano da graduação, Hellen Mizael, 19, já dedica cinco horas do dia aos estudos, além do período que permanece na faculdade e na Ocam. Ela toca viola clássica. "Comecei aos 13 anos e não levava tão a sério. Com 16, passei a estudar para valer", afirma.
Ela enfatiza o valor da perseverança e da disciplina na carreira para alcançar uma boa posição profissional. "São muitas horas trancada sozinha no quarto para praticar", diz. "Muito músico até se acostuma a estudar longas horas no banheiro de casa, porque a acústica é melhor", brinca.
"Ser artista não é para qualquer um. É muito difícil porque tem de convencer o público do que está fazendo. Tem de emocionar o público e, para emocionar, é preciso se emocionar primeiro", afirma.
Em busca de sucesso com a dança, Juliana de Oliveira Jacinto, 22, ingressou na graduação da Unicamp. Ela também manteve contato com a arte desde cedo. "Quando era pequena, tinha grupo de dança. Fiz dez anos de clássico e soube dentro da academia que existia o curso."
Ela recomenda a faculdade pelo aumento da consciência corporal a que os estudos teóricos levam. "Na academia, você tem o exercício pelo exercício. Na faculdade também se trabalha a história da dança. Na Unicamp, a ênfase é o contemporâneo e as danças populares brasileiras."
Em Campinas, o curso é integral. A parte da manhã é destinada, principalmente, à prática e o período da tarde, às disciplinas teóricas. Para se tornar um bailarino graduado, os estudantes têm de passar por aulas de anatomia e de biologia.
Para ela, a dança é comunicação. "Para comunicar é preciso saber quem é você, sua origem. O curso ajuda nessa percepção."

Faculdade de cinema pesa no bolso

No mundo do cinema, as luzes e o glamour têm um preço que chega a ser alto. Os estudantes acabam tendo de desembolsar dinheiro do próprio bolso a cada produção. Sem contar que o curso de audiovisual costuma ser em período integral e os alunos não têm como trabalhar nos primeiros semestres.
Issis Valenzuela, 21, é uma das que querem superar as dificuldades e viver da chamada sétima arte.
O primeiro passo foi ingressar no curso de audiovisual da USP. "Entrei em 2002 na faculdade, porque eu sempre gostei de cinema, de inventar histórias. Pretendo fazer direção, mesmo sabendo que é o mais difícil", diz.
Ela afirma que é difícil ser contratado como diretor. Até chegar a essa condição, o profissional tem de produzir muitos filmes, participar de festivais, se expor, até conseguir algum reconhecimento. O meio é relativamente fechado para os iniciantes.
"Enquanto a pessoa não consegue ser diretor, os salários não são tão bons. Ela acaba encontrando mais serviço na parte de produção de filmes ou de televisão", diz.
Ela conta que, na ECA (Escola de Comunicações e Artes) da USP, os alunos conseguem equipamentos de graça e ainda recebem uma verba para a realização dos curtas e longas. "Mesmo assim, a gente ainda precisa tirar do próprio bolso", afirma.

"É preciso conhecimento técnico"
Com o objetivo bem definido, Maria Luisa Stock, 20, ingressou no curso de artes plásticas da Unesp e, no ano seguinte, no de arquitetura do Mackenzie. "A minha intenção é trabalhar com cenografia e curadoria. Uma formação acaba complementando a outra", afirma a estudante. "Sempre achei que a formação como artista plástica seria um diferencial na formação de arquiteta."
Das aulas, ela aponta que tanto um curso quanto o outro não são apenas arte: as técnicas são parte importante da formação de quem quer se tornar um artista profissional e levar a carreira adiante.
"As pessoas têm tendência de associar arte com subjetividade, inspiração. Mas é preciso ter o conhecimento técnico de materiais, por exemplo. Muita gente não termina projetos por não saber uma maneira diferente de fazer o que pretendia", conta.
Na sua visão, o que diferencia um curso do outro é que a arquitetura tem uma função vinculada a ela. "A finalidade mais primordial da arquitetura é o abrigo. O arquiteto tem muita responsabilidade, porque vai lidar com estruturas que as pessoas usam", diz.
Já na faculdade de artes plásticas, Maria Luisa nota muita liberdade para seguir interesses pessoais e desenvolver projetos. "Agora, estou trabalhando com xilogravura, que é fazer gravuras com madeira, e com escultura de terracota [argila]."

(*)Repórteres da equipe do caderno Fovest, do jornal Folha de S. Paulo. Material publicado na edição de 11/10/2005.

sábado, outubro 08, 2005

A POLÊMICA SOBRE A TRANSPOSIÇÃO DAS ÁGUAS DO RIO SÃO FRANCISCO




Globo Online (*)

RIO - A transposição das águas do Rio São Francisco, além de polêmica, é uma idéia antiga. Há quase 150 anos ela é discutida e, antes do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nenhum outro tinha apresentado um projeto. A obra deve durar entre 25 e 30 anos e tem como objetivo irrigar áreas atingidas pela seca no Nordeste setentrional, que engloba Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba, Ceará e uma parte do Piauí. Os que defendem a iniciativa dizem que a transposição vai levar água a quem não tem e permitir o desenvolvimento da região. Os contrários argumentam que o Velho Chico sofrerá impacto irreversível e vai secar em alguns trechos de onde a água for retirada quando não houver chuva. Quem é contra defende que seja feita antes a revitalização do rio, que sofre com o assoreamento em diversos pontos.

Pelo projeto do governo, a mudança no curso das águas será feita através de 1.400 quilômetros de túneis e canais, dentre eles dois principais. O primeiro em Cabrobó (PE), com 402 quilômetros, que seguirá para rios em Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará e terá vazão de 99 metros cúbicos de água por segundo. E o outro, com 220 quilômetros e vazão de 28 metros cúbicos por segundo, partirá da represa de Itaparica, no Vale do São Francisco, na Bahia, e chegará a Campina Grande, na Paraíba. Serão feitas nove estações de bombeamento: seis no primeiro canal e três no outro. A primeira delas será construída no meio da caatinga.

O gasto com a obra, cuja primeira parte deve ficar pronta em dois anos, não será pequeno: R$ 4,5 bilhões. A água vai ter que subir montanhas para chegar a seus destinos, o que encarece os trabalhos. Riachos que secam no período sem chuvas serão perenizados e rios terão aumento de vazão. Os canais passarão por comunidades rurais com cerca de 70 mil pessoas que convivem com a seca. Com a obra, as águas do Rio São Francisco, que irrigam mais de 120 mil hectares de terra, serão levadas também a pontos remotos no território nordestino. Mas há um custo: 750 famílias terão que deixar suas casas porque ficam em locais que terão de ser inundados para a construção de 23 barragens.

O governo diz que 12 milhões de pessoas serão beneficiadas.

- Esses 12 milhões de nordestinos terão como se proteger do efeito danoso da seca - disse ao Jornal Nacional, da TV Globo, o coordenador do projeto, Pedro Brito.

A previsão de tanta gente beneficiada não impressiona os contrários ao projeto. A preocupação principal deles é com a revitalização do São Francisco. O bispo de Barra, na Bahia, dom Luiz Flávio Cappio, virou o símbolo da luta contra a transposição das águas desde o dia 26 de setembro, quando iniciou uma greve de fome. Ele diz que o projeto precisa ser discutido com a população e que tem finalidade política. Para muita gente, a transposição vai fazer com que o rio seque em alguns trechos, principalmente nos períodos de falta de chuva.

O ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, defende o projeto e diz que nele está também a questão da revitalização do rio. E destaca que não se trata de transposição, mas de melhor aproveitamento da água do São Francisco. Em entrevista ao 'Bom Dia Brasil', da TV Globo, em abril deste ano, o ministro afirmou:

- Isso (a transposição) se discutia de trás pra frente com grande equívoco. O próprio nome é um erro. A concepção que está se procurando desenhar hoje parte de uma premissa: vai faltar água num universo de curto prazo para o abastecimento humano nesse grande Nordeste setentrional. O Rio São Francisco, por causa do semi-árido, é o unico lugar com excedente de água. Só que não pode ser transposto. O que pode ser feito é uma manipulação de 63 metros cúbicos por segundo, portanto meio por cento da água que sobra, que vai para o mar, que não precisa ser bombeada 24 horas por dia, porque entra numa lógica de manejo de recurso hídricos num projeto de desenvolvimento de intervenções fundiárias. Todo esse desehho e, fundamentalmente, a revitalização do rio, a restauração de sua navegabilidade, o saneamento básico, a restauração de matas auxiliares e o desassoreamento têm que estar organizamente embalados.

Segundo Pedro Brito, o coordenador do projeto de transposição, o Ministério da Integração Nacional investe em 2005 R$ 68,5 milhões em ações de revitalização do rio. Desse total, R$ 47,4 milhões já estão empenhados e o restante está em processo de empenho.

Entre os projetos beneficiados por recursos já empenhados destacam-se os de saneamento básico das cidades de Cabrobó (R$ 4 milhões) e Petrolina (R$ 6 milhões), em Pernambuco; Bom Jesus da Lapa (R$ 3,919 milhões) e Juazeiro (R$ 2,172 milhões), na Bahia; Penedo (R$ 1,388 milhão), em Alagoas; e Pirapora (R$ 4,073 milhões), em Minas Gerais. Os empenhos contemplam também R$ 7,7 milhões para a construção de 500 cisternas em vários municípios nordestinos; R$ 3,148 milhões para ações de reflorestamento de áreas ciliares da bacia do São Francisco; e R$ 1,403 milhão para a execução do projeto demonstrativo de gestão mineral na bacia do São Francisco.

O Rio São Francisco tem 2.700 quilômetros, entre a nascente, na Serra da Canastra, em Minas Gerais, e a foz, na divisa de Alagoas com Sergipe. O Velho Chico é responsável por 75% da água no Nordeste e metade de sua área total fica no polígono das secas.

(*) Matéria publicada originalmente no site Globo Online, no dia 08/10/2005.

sexta-feira, outubro 07, 2005

BELEZA É FUNDAMENTAL

O Brasil é impiedoso com a feiúra, que aqui é sinal de desleixo

Por VIOLETA MARIEN (*)

Não tem mais escapatória. Os avanços da medicina e da indústria de cosméticos jogaram a última pá de cal sobre a feiúra. Neste início de século XXI, apesar do políticamente correto reinar absoluto, os feios estão sendo assumidamente colocados de lado. De tal forma isso tornou-se um fato que, nas universidades, estudiosos fazem teses sobre o assunto. A feiúra agora é praticamente uma questão de ordem moral. De posse de todos os recursos para se fazer belo, não se tolera mais que o ser humano se apresente feio aos olhos do outro. Foi com uma pesquisa que comprova essa tese que a psicóloga Joana de Vilhena Novaes obteve seu doutorado na PUC-Rio.

Para a sociedade, diz ela, o feio é um transgressor. Se existem recursos para se obter a beleza,o feio, ao se apresentar assim,mostra que não destina nem tempo e nem dinheiro à sua imagem. E, o que é pior, dá à sua imagem um atestado de menos valia que aumentará a sua rejeição.

Historicamente, cada época teve o seu padrão exclusivo de beleza.Isso não é novidade.O que é novo, está acontecendo neste século,é que agora a beleza é um padrão moral. Joana cita Foucauld para lembrar que sempre haverá resistência ao discurso opressor.Neste caso, alguns feios insistirão em se apresentar feios,mas serão uma minoria. Os avanços da medicina e dos cosméticos acabaram com as desculpas.
Joana vê nesses valores, cuja origem ela detecta na cultura americana, uma lógica calvinista.Uma apropriação pósmoderna dos protestantes,que vêem o corpo como algo em que se deve investir; conceito oposto ao dos católicos, onde predomina a penitência e a culpa no que diz respeito ao corpo.

Em uma sociedade onde o modelo de beleza perseguido é a Gisele Bündchen, as mulheres com formas mais redondas se vêem naturalmente alijadas porque o modelo ideal se reproduz em todos os ambientes da sociedade de consumo, inclusive no ambiente trabalho. Hoje, ser gordo é ser feio. Não há mais complacência para o gordo simpático.E,para piorar,os gordos têm ainda contra eles o discurso dos médicos. Ou seja: são duas vezes transgressores. Com tudo isso, conclui Joana, a "beleza interior" é um conceito totalmente ultrapassado.

Transportando essa mudança de comportamento para o mercado, a economista Ruth Helena Dweck fez um trabalho para o IPEA onde analisou a beleza como uma variável econômica. Ela lembra que até a década de 70, só a discriminação por sexo e raça no mercado de trabalho eram objetos de debate. Os movimentos feministas e pelos direitos civis geraram muitos estudos e teses de antropólogos, sociólogos e psicólogos sociais, que envolveram muita teoria sobre a natureza do processo discriminatório. Depois de tantos debates, foram criadas leis específicas para proteger esses grupos, principalmente no mercado de trabalho.

Resolvido esse ponto, os estudos voltam-se agora para a discriminação relativa à aparência física. A economista cita em seu estudo a afirmação de dois outros estudiosos, Hamermesh e Briddle, que em 1994 já afirmavam que,nos Estados Unidos,"as pessoas de aparência simples ganham muito menos que as pessoas de boa aparência". E não é só isso, eles constataram que a penalidade pela simplicidade é de 5% a 10% maior do que o prêmio pela beleza. E isso vale tanto para as mulheres como para os homens.

Essa isonomia no que diz respeito ao sexo explica também a mudança na demanda por serviços de estética e higiene pessoal. Os dois americanos perceberam que as barbearias que se limitam a cortar cabelo, estão desaparecendo e no seu lugar estão surgindo os salões de beleza unissex. Ou seja, os homens não foram para os salões porque se tornaram mais sensíveis à beleza,mas porque a beleza se tornou critério de avaliação.

Como variável econômica, com forte impacto sobre o mercado de trabalho, é importante lembrar que a exigência de uma boa aparência requer gastos com serviços e produtos - o investimento em si mesmo do qual fala Joana. E,para reduzir ainda mais as justificativas de quem não investe em sua imagem, a constatação é que esses serviços de beleza são locais, baratos, não são afetados pelo movimento de globalização, característico de outros segmentos do setor de serviços. A questão tecnológica está ligada apenas à oferta de produtos, mas a prestação de serviços ainda é local.

Ao falar sobre as pesquisas, a dra. Joana de Vilhena Novaes lembra que ainda não existe no Brasil uma pesquisa de fôlego sobre a discriminação no trabalho, mas isso já é um fato perceptível na sociedade.A beleza é hoje um elemento tão discriminador quanto a inteligência. O estudo de Hamermesh e Briddle mostra que nos Estados Unidos, a diferença de salários entre as pessoas atraentes e pessoas não atraentes é de aproximadamente 10%, para ambos os sexos.

A transformação da beleza em mais um mandamento sagrado alavancou as vendas da indústria de cosméticos; mas esse não foi o único setor da indústria a ganhar. Os eletrônicos portáteis, que facilitam as vida da dona de casa e os aparelhos que permitem que ela faça em casa o que faria no salão de beleza - secador, frisador, alisador, também tiveram um grande impulso nas vendas.
Dessa forma,existe um grande e sincronizado movimento da economia voltado para fortalecer esse conceito, já anunciado por Vinícius de Moraes, de que beleza é fundamental.

(*)Reportagem publicada originalmente na edição nº 118 da revista Forbes Brasil, em 09/09/2005. A autora é repórter da revista.